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Com escassez de produtos, venezuelanos penam em filas nos supermercados

O preço normal de um quilo de leite em pó é de 30 bolívares, mas nos mercados privados pode chegar a 250, ao passo que o salário mínimo é de 3.270

San Cristóbal - Patricia Gamboa é um dos muitos venezuelanos que chegam ao supermercado governamental de San Cristóbal (oeste) às 2 horas da manhã, seis horas antes da abertura das portas do estabelecimento, na tentativa de ser a primeira da fila e assim poder comprar qualquer coisa que encontre pela frente.

Amanhece e cerca de 200 pessoas já estão na fila atrás de Patrícia, todos com o pulso pintado de verde para marcar quem chegou primeiro ao Supermercado Bicentenario. A rua está bloqueada pelas barricadas que os manifestantes espalharam em vários pontos da cidade para protestar, entre outras coisas, contra a escassez de alimentos e produtos básicos, em um país que possui as maiores reservas petroleiras do mundo.

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A Venezuela sofre com uma aguda escassez de produtos, mas em San Cristóbal, onde começaram os protestos de 4 de fevereiro, encontrar farinha, manteiga, óleo, ou leite, é uma verdadeira odisseia. Patricia, que tem 58 anos e conseguiu ser a primeira da fila, nem se preocupa em ter uma lista de compras. "Vou comprar o que tiver", afirma, expressando a intenção de todos que estão na fila.

Os clientes só podem comprar no Bicentenario em determinados dias, dependendo dos últimos números de sua cédulas de identidade. E, além da marcação de tinta no pulso das pessoas que estão na fila, ainda são distribuídas senhas. Em outros pontos da cidade, em dois supermercados do setor privado, as filas se estendem por mais de 200 metros.

Sem pão até terça

O vice-presidente da Associação de Padeiros do estado de Táchira, Armando Mirando, disse à AFP que San Cristóbal poderá ficar sem pão até terça-feira, pois os caminhões que transportam farinha e manteiga se negam a ir para essa localidade por causa dos tumultos das últimas semanas. "Já havia escassez antes, e agora não chega nada", comenta Mirando, depois de participar na "conferência de paz" organizada pelo governo para achar uma saída para os protestos. Para a oposição, esses encontros não passam de uma farsa.

Em meio ao caos, a maioria das lojas e restaurantes permanece fechada nesta cidade de 260 mil habitantes. Entre outros pontos, a oposição atribui os problemas econômicos da Venezuela, que registra uma inflação anual de 56%, aos controles de câmbio a uma taxa supervalorizada, em vigor desde 2003. Além disso, acrescentam os opositores, o governo entrega a conta-gotas os dólares necessários para as importações, apesar de o país comprar no exterior grande parte do que consome.

O presidente Nicolás Maduro culpa os contrabandistas que aproveitam o controle de preços na Venezuela para traficar gasolina e alimentos da vizinha Colômbia.

Os felizardos que encontram o que precisam nos mercados governamentais pagam os produtos a preços controlados, enquanto os outros têm de recorrer a supermercados privados, onde tudo é sete vezes mais caro.

O preço normal de um quilo de leite em pó é de 30 bolívares, mas nos mercados privados pode chegar a 250, ao passo que o salário mínimo é de 3.270 - cerca de 519 dólares no câmbio oficial de 6,30, mas 45 no mercado negro.

Mais rentável que cocaína

O contrabando de produtos é corriqueiro em San Cristóbal, capital de Táchira, fronteira com a Colômbia. Maduro apareceu na sexta na tv nacional, mostrando uma caixa de um litro de leite que custa 7 bolívares, mas que, na Colômbia, diz ele, é vendida por 200. "É um crime", clamou o presidente, advertindo que tomará medidas a respeito. "Vender um litro de leite dá mais que vender cocaína hoje em dia na fronteira", ironizou.

Maduro também garante que vender gasolina é dez vezes mais rentável que comercializar drogas, já que na Venezuela encher um tanque custa apenas alguns centavos de dólar.

No entanto, muitos habitantes assinalam que funcionários corruptos do governo participam ativamente do contrabando na fronteira. "O governo nos faz mendigar", queixa-se Carolina Rodríguez, de 35, e a cliente de número 187 no final da fila. "A gente passa a vida na fila: fila para o mercado, fila para o telefone, fila para pagar a luz e a água", desabafa Carolina.