Jornal Correio Braziliense

Mundo

Bélgica legaliza eutanásia para menores de idade com uma doença incurável

Lei entrará em vigor nas próximas semanas

As crianças portadoras de uma doença incurável na Bélgica poderão optar pela eutanásia, quando adultas, para abreviar seu sofrimento. A medida conta com a oposição de alguns pediatras e da Igreja católica.

Os deputados belgas adotaram definitivamente, nesta quinta-feira (13/2), uma modificação da lei de 2002 que autorizava a eutanásia para adultos, estendendo-a aos "menores com capacidade de discernimento".

Já aprovado pelo Senado, o texto foi adotado por uma maioria de 86 deputados, com 44 votos contra e 12 abstenções. A lei entrará em vigor nas próximas semanas.

Da galeria, um homem perturbou a sessão, gritando "assassinos". Ele foi expulso em seguida. A Bélgica, país de tradição católica, torna-se assim o segundo país do mundo, depois da da Holanda, a autorizar a eutanásia para menores sob estritas condições.

Diferentemente da legislação holandesa, que estabelece idade mínima de 12 anos, os congressistas belgas preferiram adotar condições mais flexíveis, optando por "capacidade de discernimento".


O senador socialista Philippe Mahoux, que também foi autor da lei de 2002, comentou que é preciso responder ao desejo expresso por pediatras e enfermeiras, confrontados com o "sofrimento insuportável" das crianças. A única possibilidade para amenizar essa dor seria, então, pela ilegalidade.

Pelo menos 34 médicos, especialistas, juristas e representantes de inúmeras associações foram ouvidos pelos senadores.

Embora a escolha da Bélgica tenha repercussão mundial e a eutanásia provoque debates apaixonados na França - sobretudo, em relação ao caso do tetraplégico Vincent Lambert, em estado vegetativo crônico -, as discussões se mantêm discretas no país. Segundo uma pesquisa divulgada em outubro, 73% dos belgas são favoráveis à extensão do direito à eutanásia aos menores.

- Transgressão -

"O direito da criança a solicitar sua própria morte é um passo excessivo. Trata-se da transgressão da proibição de matar, que constitui a base da nossa sociedade humana", reagiram imediatamente os padres belgas, em um comunicado.

"Se uma criança for colocada em eutanásia, qual será mensagem para as outras crianças doentes? Nós estamos dizendo a elas que sua vida não tem mais valor, que eles são um peso para a sociedade, ou para a família delas, e que elas devem morrer", declarou uma ativista, que participou da única manifestação contra, com cerca de 300 pessoas reunidas em Bruxelas.

"Não se trata de impor a eutanásia a quem quer que seja, a criança alguma, a família alguma, mas de permitir a escolha da criança de não ficar para sempre no sofrimento", explicou a deputada socialista Karine Lalieux, nesta quinta. "O direito de abordar a vida e a morte não pode ser reservado aos adultos", defendeu o liberal Daniel Bacquelaine.

- Acordo parental -

Os defensores do texto insistem nas "condições estritas" previstas pela lei: o menor deve se "encontrar em uma situação médica sem saída, que leve à morte em um curto período", enfrentar um "sofrimento físico constante e insuportável que não pode ser apaziguado e que resulte de uma doença acidental, ou patologia grave e incurável".

A capacidade da criança de compreender o "lado irreversível da morte", segundo as palavras de uma deputada, será avaliada caso a caso pela equipe médica e por um psiquiatra, ou por um psicólogo independente. E, embora a iniciativa de pedir a prática da eutanásia deva partir da criança, os pais precisam dar seu consentimento.

"Uma criança de sete, oito, nove anos, pode, realmente, pedir a eutanásia com total autonomia?", questionou a deputada cristã-democrata Sonja Becq.

Os opositores destacaram ainda que a comunidade médica belga está dividida. Diferentes grupos de pediatras publicaram textos a favor e contra a extensão da possibilidade de eutanásia aos menores.

Igualmente dividido, o governo tenta manter um baixo perfil no debate, dando total liberdade de voto aos parlamentares.

De modo geral, socialistas, liberais, verdes e nacionalistas votaram a favor do texto, enquanto os cristãos-democratas e os membros do partido de extrema direita, Vlaams Belang, foram contrários.

Segundo estatísticas oficiais, cerca de 1.500 adultos escolhem a eutanásia todos os anos, o que representa 2% das mortes no país.