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Muçulmano que fugia da República Centro-Africana é linchado e morto

O corpo desmembrado da vítima foi jogado à beira da estrada, onde permaneceu por toda a manhã

Um comboio de caminhões e carros transportando civis muçulmanos partiu nesta sexta-feira (7/2) de Bangui vaiado pela multidão, que linchou um homem que caiu de um dos veículos, informaram testemunhas.

Este episódio acontece dois dias depois de um linchamento público de um homem pelas mãos de soldados centro-africanos durante uma cerimônia militar.

A longa caravana se dirigia nesta sexta-feira para a saída norte da capital centro-africana, sob os insultos dos habitantes que explicaram à AFP que um dos passageiros foi linchado depois de cair de um caminhão. O corpo desmembrado da vítima foi jogado à beira da estrada e lá ficou ao longo de toda a manhã.

Milicianos cristãos anti-balaka também atacaram outro caminhão. Os tiros de advertência da força africana Misca, presente na estrada onde ocorreram os distúrbios, dispersaram os agressores, segundo constatou um jornalista da AFP.

Os muçulmanos, tanto estrangeiros como centro-africanos, abandonam há meses a capital do país, submetidos pela perseguição, pilhagem e linchamento diários por parte da população de maioria cristã.



O exílio dos muçulmanos se intensificou desde que os combatentes da ex-rebelião Seleka, de maioria muçulmana, se viram obrigados a partir, o que acentuou as represálias contra os civis desta confissão.

Uma parte da população associa os muçulmanos aos ex-rebeldes Seleka, que durante meses cometeram abusos contra os cristãos.

Outros grupos de muçulmanos também fogem dos ataques em outras cidades do país para se refugiar no aeroporto de Bangui, onde mais de 4.000 esperam para abandonar a República Centro-africana nas próximas semanas.

Na véspera, as Nações Unidas e a França pediram às autoridades da República Centro-africana uma punição exemplar para o linchamento público de um homem pelas mãos de soldados centro-africanos ocorrido na quarta-feira.

"Os incidentes ocorridos são reveladores e inadmissíveis e devem ser alvo de uma investigação e de sanções exemplares", declarou o general Babacar Gaye, representante especial das Nações Unidas na República Centro-africana.

Paris também condenou os "atos odiosos" e pediu punições exemplares para os autores, apoiando a decisão da nova presidente centro-africana, Catherine Samba Panza, de ordenar uma investigação para que os autores sejam identificados e respondam por seus antos ante a justiça, afirmou o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, Romain Nadal.

Diante de dezenas de testemunhas, soldados centro-africanos lincharam até a morte na quarta-feira um homem acusado de ser ex-rebelde, ao final de uma cerimônia solene em Bangui, na qual a nova presidente Catherine Samba Panza comemorou a reforma das forças armadas nacionais.

O assassinato do homem se deu por meio de chutes, pedradas e facadas e aconteceu nas dependências da Escola Nacional de Magistratura, onde ocorreu a cerimônia que contou com a presença das autoridades do governo de transição e das Forças Armadas. Cerca de 4.000 soldados centro-africanos estavam presentes no evento.

O linchamento - rapidamente reforçado por uma multidão de pessoas enfurecidas - ocorreu ante o olhar dos soldados da Força Africana (Misca) encarregados da segurança da cerimônia de alto teor simbólico, e de muitos jornalistas.

Segundo várias testemunhas, o corpo da vítima foi mutilado e queimado e só então a Misca resolveu intervir dando disparos para o ar a fim de dispersar a multidão, até a chegada de soldados franceses.

A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou nesta sexta-feira a "extrema violência" que sacode a República Centro-africana há um ano e que alcançou "níveis intoleráveis e sem precedentes".

Em janeiro, MSF atendeu 1.650 feridos, "vítimas da violência e e pertencentes às duas comunidades ", cristãs e muçulmanas, indica um comunicado.

O Tribunal Penal Internacional (TPI), por sua vez, anunciou a abertura de um exame preliminar sobre os graves acontecimentos no país.

"Meu gabinete tem conhecimento de inúmeros relatórios que falam de ações de uma extrema brutalidade, cometidos por diversos grupos, que podem ser de competência do TPI", declarou a procuradora Fatou Bensouda, de Gâmbia.