"O Comitê está muito preocupado pelo fato de a Santa Sé não ter reconhecido a amplitude dos crimes cometidos, não ter tomado as medidas apropriadas para enfrentar os casos de pedofilia e para proteger as crianças e por ter adotado políticas e práticas que propiciaram o prosseguimento dos abusos e a impunidade dos autores", acrescenta o texto. O Vaticano reagiu denunciando distorções do documento da ONU.
"O documento não foi atualizado, ele não tem uma perspectiva correta", declarou o representante do Vaticano, monsenhor Silvano Tomasi, em uma entrevista à Rádio Vaticano, na qual acusou o relatório de não levar em conta os avanços feitos pela Igreja. O documento "parece ter sido preparado de antemão", declarou Tomasi, considerando que os fatos foram distorcidos.
Tomasi, que foi interrogado em janeiro em Genebra pelo Comitê da ONU para os Direitos da Criança, detalhou na entrevista as medidas tomadas pela Igreja Católica contra estes abusos. "São fatos, evidências, algo que não pode ser distorcido", lamentou. Mais cedo, o Vaticano havia prometido examinar minuciosamente as críticas da ONU de que não fez o necessário para frear o problema da pedofilia dentro da Igreja, segundo um comunicado oficial.
Mobilidade dos criminosos
O relatório das Nações Unidas critica, em particular, a política de trocar de paróquia os sacerdotes pedófilos, uma prática que considera como uma tentativa de acobertar os crimes e evitar que sejam julgados pelas autoridades civis. "A prática da mobilidade dos criminosos, que permitiu que muitos sacerdotes permaneçam em contato com crianças e continuem abusando delas, continua expondo crianças de muitos países a um alto risco de sofrer abusos sexuais", escreve o relatório.
Assim como outros signatários da Convenção da ONU dos Direitos da Criança em 1989, o Vaticano está submetido à vigilância do Comitê. Sua presença no mês passado na audiência foi a primeira desde a explosão do escândalo de abusos sexuais em muitos países, da Europa, América Latina e Estados Unidos.
Desde 2001, os casos de pedofilia cometidos no seio da Igreja foram tratados de forma interna pela Congregação para a Doutrina da Fé, o equivalente de um ministério da Justiça no Vaticano. O Comitê da ONU se queixa de não ter recebido dados de todos os casos de pedofilia estudados pela Congregação, nem sobre as punições aplicadas.
Além disso, criticou o recurso a "medidas disciplinares que permitiram à grande maioria de autores e a quase todos os que acobertaram abusos de crianças escapar à justiça dos países onde estes crimes foram cometidos". O Comitê criticou especialmente o "código de silêncio" imposto ao clero sob ameaça de excomunhão.
Bento XVI, papa de 2005 a 2013, foi o primeiro a se desculpar pelos abusos cometidos contra menores, e propôs uma política de tolerância zero, que, segundo seus críticos, não foi acompanhada por todas as medidas necessárias para eliminar o problema. Seu sucessor, Francisco, disse que a pedofilia no seio da Igreja é uma vergonha e em dezembro criou uma comissão para investigar estes crimes, preveni-los e atender as vítimas.
O Comitê da ONU deu as boas-vindas à iniciativa, afirmando, no entanto, que ela não vai longe o suficiente e que a Santa Sé deveria criar um organismo independente de direitos humanos para se ocupar da questão. Também declarou que os arquivos da Igreja deveriam ser abertos para que os culpados de pedofilia e seus cúmplices sejam responsabilizados.