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Burocrático, sem muita emoção, porém com frases de impacto. Assim foi o discurso de Dilma Rousseff no Serviço Memorial de Estado em homenagem a Nelson Rolihlahla Mandela, ante 90 dignitários e 80 mil pessoas, no estádio FSB (Soccer City), em Soweto ; histórico bairro de Johannesburgo e reduto da luta antiapartheid. Quando a presidente assumiu a tribuna, Barack Obama tinha acabado de contagiar o público com um pronunciamento totalmente distinto, repleto de citações de Madiba, quase uma declaração emotiva de admiração a alguém que lhe ajudou a moldar valores. ;Da mesma forma que os sul-africanos choram a morte de Madiba, nós, nação brasileira, que trazemos com orgulho o sangue africano em nossas veias, choramos e celebramos o exemplo desse grande líder, que faz parte do panteão da humanidade;, declarou Dilma.
Na tradição africana, durante um enterro, a chuva significa que os portões do céu estão abertos para receber a alma do falecido. Chovia em Soweto quando dezenas de milhares de pessoas, entre elas 91 chefes de Estado e de governo, se reuniram para rezar e celebrar a vida de Mandela. A presidente brasileira falou em português, de forma espaçada, dando tempo para que o tradutor repetisse os trechos, em inglês. De acordo com Dilma, Mandela foi a personalidade maior do século 20. ;Ele conduziu, com paixão e inteligência, um dos mais importantes processos de emancipação do ser humano da história contemporânea ; o fim do apartheid na África do Sul;, lembra. ;O combate de Mandela ; e do povo sul-africano ; transformou-se em um paradigma, não só para este continente, mas para todos os povos que lutam pela justiça, pela liberdade e pela igualdade.;
Dilma afirmou que ;esse grande líder teve seus olhos postos no futuro de seu país, de seu povo e de toda a África. Inspirou a luta no Brasil e na América do Sul;. E destacou a ;estoica paciência com que Madiba suportou o cárcere e o sofrimento, o profundo compromisso com a justiça e a paz, a superioridade moral e ética;. ;O governo e o povo brasileiros se inclinam diante da memória de Nelson Mandela;, comentou. No fim do pronunciamento, ela cometeu uma pequena gafe, ao trocar a palavra ;sul-africanos; por ;sul-americanos;. ;Transmito à senhora Graça Machel, aos seus familiares, ao presidente Zuma e a todos os sul-americanos ; sul-africanos ; nosso profundo sentimento de dor e de pesar;, disse.
Iraê Lundin, chefe do Departamento de Estudos Sociopolíticos e Culturais do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique, fala sobre os funerais de Mandela:
Íntegra do discurso de Dilma Rousseff:
Senhora Graça Machel,
Senhores e senhoras familiares de Nelson Mandela,
Presidente Zuma,
Povo sul-africano,
Expresso minhas condolências pela perda inestimável de Nelson Mandela.
Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo,
Amigos e Amigas,
Trago aqui o sentimento de profundo pesar do governo e do povo
brasileiros, e tenho certeza de toda a América do Sul, pela morte
deste grande líder, Nelson Mandela.
Personalidade maior do século XX, Nelson Mandela conduziu com paixão e
inteligência um dos mais importantes processos de emancipação do ser
humano da história contemporânea ; o fim do apartheid na África do
Sul.
O combate de Mandela - e o do povo sul-africano - transformou-se em um
paradigma, não só para este continente, mas para todos os povos que
lutam pela justiça, pela liberdade e pela igualdade.
O apartheid, que Mandela e o povo sul-africano derrotaram, foi a forma
mais elaborada e cruel da desigualdade social e política que se tem
notícia nos tempos modernos.
Esse grande líder, Nelson Mandela, teve seus olhos postos no futuro de
seu país, de seu povo e de toda a África. Inspirou a luta no Brasil e
na América do Sul.
Madiba, como carinhosamente vocês o chamaram, constitui exemplo e
referência para todos nós.
Pela estóica paciência com que suportou o cárcere e o sofrimento.
Pela lúcida firmeza e determinação que revelou em seu combate vitorioso.
Pelo profundo compromisso com a justiça e com a paz.
Sobretudo, por sua superioridade moral e ética.
Ele soube fazer da busca da verdade e do perdão os pilares da
reconciliação nacional e da construção da nova África do Sul.
Devemos reverenciar esta manifestação suprema de grandeza e de
humanismo representada por Nelson Mandela.
Sua luta transcendeu suas fronteiras nacionais e inspirou homens e
mulheres, jovens e adultos a lutarem por sua independência e pela
justiça social.
Deixou lições não só para seu querido continente africano, mas para
todos aqueles que buscam a liberdade, a justiça e a paz no mundo.
Da mesma forma que os sul-africanos choram com seus cantos Madiba
Nelson Mandela, nós, nação brasileira que trazemos, com orgulho, o
sangue africano em nossas veias, choramos e celebramos o exemplo deste
grande líder que faz parte do panteão da humanidade.
O governo e o povo brasileiros se inclinam diante da memória de Nelson Mandela.
Transmito à senhora Graça Machel, aos seus familiares, ao presidente
Zuma e a todos os sul-africanos nosso profundo sentimento de dor e de
pesar.
Viva Mandela. Para sempre.
Íntegra do discurso de Barack Obama:
Para Graça Machel e a família Mandela; para o presidente Zuma e
membros do governo; para os chefes de Estado e de governo, passados e
atuais; convidados distintos -- é uma honra singular estar com vocês,
hoje, para celebrar uma vida diferente de qualquer outra. Ao povo da
África do Sul, pessoas de todas as raças e caminhos de vida, o mundo
agradece a vocês por partilharem Nelson Mandela conosco. Sua luta foi
nossa luta. Seu triunfo foi nosso triunfo. Sua dignidade e esperança
encontraram expressão em sua vida, e sua liverdade, sua democracia é
seu legado precioso.
É difícil louvar qualquer homem -- para capturar em palavras, não
apenas em fatos e as datas que fazem uma vida, mas a verdade essencial
de uma pessoa -- suas alegrias particulares e lamentos; os momentos
tranquilos e as qualidades únicas que iluminam a alma de algém. Como
é duro fazê-lo para um gigante da história, que move uma nação rumo à
justiça e, nesse processo, moveu bilhões ao redor do mundo.
Nascido durante a Primeira Guerra Mundial, longe dos corredores do
poder, um garoto cresceu criandp gado e sendo tutelado pelos idosos de
sua tribo Thembu -- Madiba emergiria como o grande libertador do
século 20. Assim como Gandhi, ele lideraria um movimento de
resistência -- um movimento que em seu começo tinha pouca perspectiva
de sucesso. Assim como King, ele daria voz potente às queixas dos
oprimidos, e à necessidade moral de justiça racial. Ele iria suportar
uma prisão brutal, que começou no tempo de Kennedy e Khrushchev, e
alcançou os dias finais da Guerra Fria. Ao emergir da prisão, sem a
força das armas, ele -- assim como Lincoln -- manteria sue país unido,
quando esteve ameaçado de ruptura. Como os pais fundadores da América,
ele iria construir uma ordem constitucional para preservar a liberdade
para futuras gerações -- um compromisso com a democracia e o Estado de
direito, ratificado não apenas por sua eleição, mas por sua vontade de
descer do poder.
Dado o movimento de sua vida, e a adoração que ele tão corretamente
ganhou, é tentador lembrar Nelson Mandela como um ícone, sorridente e
sereno, desapegado das coisas de mau gosto dos homens menores. Mas o
próprio Madiba resistiu fortemente a um retrato tão sem vida. Em vez
disso, ele insistia em compartilhar conosco de suas dúvidas e medos;
de seus erros de cálculo e de suas vítorias. "Eu não sou um santo",
disse ele, "ao menos que você pense um santo como um pecador que
continua tentando".
Foi precisamente porque ele podia admitir a imperfeição -- porque ele
podia ser tão cheio de bom humor, mesmo travesso, apesar das pesadas
cargas que carregava -- que o amávamos assim. Ele não era um busto
feito de mármore; era um homem de carne e sangue -- um filho e marido,
um pai e amigo. Por isso, nós aprendemos tanto com ele; por isso,
ainda podemos aprender com ele. Nada que ele alcançou era inevitável.
No arco de sua vida, nós vemos um homem que ganhou o seu lugar na
história por meio da luta e da astúcia; da persistência e da fé. Ele
nos diz que é possível não somente nas páginas dos livros de história
empoeirados, mas em nossas vidas também.
Mandela mostrou-nos o poder da ação; de correr riscos em nome de
nossos ideais. Talvez Madiba estive certo do que ele herdou, "uma
rebeldia orgulhosa, um senso de justiça obstinada" de seu pai.
Certamente, ele compartilhou com milhões de sul-africanos negros e de
cor a raiva nascida de "mil desprezos, mil indignidades, mil momentos
esquecidos... um desejo de combater o sistema que aprisionou meu
povo". Mas, como outros gigantes anteriores do ANC (Congresso Nacional
Africano) -- os Sisulus e os Tambos --, Madiba discriplinou sua ira, e
canalizou seu desejo de lutar em organização, em plataformas, em
estratégias de ação, de modo que homens e mulheres pudessem se
levantar por sua dignidade. Além disso, ele aceitou as consequências
de suas ações, ao saber que levantar-se a interesses poderosos e
injustiças tem um preço. "Eu tenho lutado contra a dominação branca e
tenho lutado contra a dominação negra", ele disse durante seu
julgamento, em 1964. "Eu estimo o ideal de uma sociedade livre e
democrática, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com
oportunidades iguais. É um ideal que eu espero viver e alcançar. Mas,
se for preciso, é um ideal pelo qual eu estou preparado para morrer."
Mandela nos ensinou o poder da ação, mas também das ideias; a
importação da razão e dos argumentos; a necessidade de estudar não
somente aqueles com quem você concorda, mas aqueles de quem você
discorda. Ele compreendeu que ideias não podem ser contidas por muros
de prisão ou extintas por uma bala de um franco-atirador. Ele
transformou seu julgamento em uma acusação do apartheid, por cause de
sua eloquência e sua paixão, mas também por seu treinamento como
advogado. Ele usou décadas na prisão para moldar seus argumentos, mas
também para espalhar sua sede pelo conhecimento a outros no movimento.
E ele aprendeu a linguagem e os costumes do opressor para que um dia
pudesse transmitir melhor a eles como a sua própria liberdade dependia
dele.
Mandela demonstrou que ações e ideias não são suficientes; não importa
o quão certas, elas devem estar esculpidas nas leis e nas
instituições. Ele era prático, testando suas crenças contra a dura
superfície da circunstância e da história. Sobre os princípios
centrais ele era inflexível, razão pela qual pôde rejeitar ofertas de
liberdade condicional, lembrando ao regime do apartheid que
"prisioneiros não podem celebrar contratos". Mas, assim como mostrou
em negociações cuidadosas para transferir o poder e rascunhar novas
leis, ele não tinha medo de se comprometer pelo bem de uma meta maior.
E, pelo fato de não ser não apenas um líder de um movimento, mas um
político hábil, a Constituição que emergiu foi digna dessa democracia
multilateral; fiel à sua visão de leis que protegem os direitos da
maioria e da minoria; e as liberdades preciosas de cada sul-africano.
Finalmente, Mandela entendeu os laços que ligam o espírito humano. Há
uma palavra na África do Sul -- Ubuntu -- que descreve seu dom maior:
seu reconhecimento de que todos nós estamos unidos de modos que podem
ser invisíveis aos olhos; que há uma unidade para a humanidade; que
nós conseguimos nós mesmos, por meio da partilha de nós com os outros,
e cuidando daqueles que estão ao nosso redor. Nós nunca podemos saber
o quanto disso era inato nele, ou o quanto disso foi moldado e polido
numa cela escura e solitária. Mas nós recordamos os gestos, grandes e
pequenos -- ao introduzir seus carcereiros como convidados de honra em
sua posse; ao entrar em campo com um uniforme do Springbok; ao
transformar o coração partido de sua família em um apelo para
confrontar o HIV/Aids -- que revelaram a profundidade de sua empatia e
compreensão. Ele não apenas incorporou Ubuntu; ele ensinou a milhões a
encontrarem a verdade denntro deles mesmos. Isso levou um homem como
Madiba a libertar não apenas o prisioneiro, mas também o carcereiro;
amostrar que você deve confiar nos outros para que eles possam confiar
em você; a ensinar que reconciliação não é uma questão de ignorar um
passado cruel, mas um meio de confrontá-lo com a inclusão, a
generosidade e a verdade. Ele mudou leis, mas, também, corações.
Para o povo da África do Sul, para aqueles que ele inspirou ao redor
do globo -- o falecimento de Madiba é, certamente, um tempo de luto, e
um tempo para celebrar sua vida heróica. Mas eu acredito que isso
deveria levar cada um de nos à reflexão. Com honestidade,
independentemente de nossa estação ou circunstância, devemos nos
perguntar: como eu tenho aplicado suas lições em minha própria vida?
Essa é uma questão que me pergunto -- como homem e como presidente.
Nós sabemos que, como a África do Sul, os Estados Unidos tiveram que
superir séculos de subjugo racial. Como aconteceu aqui, isso levou o
sacrifício de inúmeras pessoas -- conhecidas e desconhecidas -- que
veem o renascer de um novo dia. Michelle e eu somos os beneficiários
dessa batalha. Mas, na América e na África do Sul, e nos países ao
redor do globo, nós não podemos permitir que nosso progresso obscureça
o fato de que nosso trabalho não está feito. A batalha que segue à
vitória da igualdade formal e do sufrágio universal podem não estar
tão cheio de drama e de claridade moral como aqueles que vieram antes,
mas eles não são menos importantes. Ao redor do mundo de hoje, nós
ainda vemos crianças sofrerem de fome, e doenças; escolas
enfraquecidas e poucas perspectivas para o futuro. Ao redor do mundo
atual, homens e mulheres ainda estão aprisionados às suas crenças
políticas; e ainda são perseguidos pelo modo como se parecem, ou pelo
que veneram, ou por quem eles amam.
Nós, também, devemos agir em nome da Justiça. Nós, também, devemos
agir em nome da paz. Há muitos de nós que abraçamos com alegria o
legado de Madiba da reconciliação racial, mas resistem, de forma
apaixonada, mesmo a modestas reformas que desafiariam a pobreza
crônica e a desigualdade crescente. Há muitos líderes que reclamam
solidariedade à luta de Madiba por liberdade, mas não toleram
dissidência entre seu próprio povo. E há muitos de nós que
permanecemos à margem, confortáveis na complasência ou no cinismo
quando nossas vozes devem ser ouvidas.
As questões que enfrentamos hoje -- como promover a igualdade e a
justiça; apoiar a liberdade e os direitos humanos; encerrar o conflito
e a guerra sectária -- não têm respostas fáceis. Mas não havia
respostas fáceis diante daquela criança em Qunu. Nelson Mandela nos
lembra que isso sempre parece impossível até que seja feito. A África
do Sul nos mostra que isso é verdade. A África do Sul nos mostra que
podemos mudar. Nós podemos escolher viver em um mundo definido não por
nossas diferenças, mas por nossas esperanças comuns. Nós podemos
escolher um mundo definido não pelo conflito, mas pela paz e justiça e
oportunidade.
Nós nunca veremos alguém como Mandela novamente. Mas, deixe-me dizer
ao povo jovem da África, e ao povo jovem ao redor do mundo -- vocês
podem fazer o trabalho da vida dele o seu próprio. Há 30 anos, quando
ainda era um estudante, eu soube de Mandela e das batalhas nessa
terra. Isso mexeu algo em mim. Isso me levantou para minhas
responsabilidades -- para com os outros e para comigo mesmo -- e me
pôs em uma improvável jornada que me encontra aqui hoje. E, embora eu
sempre fique aquém dos exemplo de Madiba, ele me faz querer ser
melhor. Ele fala para o que há de melhor dentro de nós. Após esse
grande libertador descansar; quando retornarmos para nossas cidades e
vilas, e voltarmos às nossas rotinas diárias, vamos procurar pela
força dele -- por sua grandeza de espírito -- em algum lugar dentro de
nós. E quando a noite se tornar escura, quando a injustiça pesar sobre
nossos corações, ou os nossos planos parecerem fora de nosso alcance,
pensemos em Madiba e nas palavras que o confortaram dentro das quatro
paredes de uma cela:
"Não importa o quão estreito seja o portão,
O quão carregado com castigos esteja o pergaminho,
Eu sou o mestre do meu destino;
Eu sou o capitão da minha alma."
Que grande alma era. Nós sentiremos falta dele profundamente. Que Deus
abençoe a memória de Nelson Mandela. Que Deus abençoe o povo da
África do Sul.
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