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Crise no governo egípcio após massacre de pelo menos 150 pessoas

A Irmandade Muçulmana, movimento de Morsy, afirma que a repressão deixou 2.200 mortos e mais de 10.000 feridos

CAIRO - O governo egípcio decretou nesta quarta-feira (14/8) estado de emergência nacional e um toque de recolher regional após a matança de pelo menos 149 islamitas que estavam mobilizados há semanas no Cairo para exigir o retorno ao poder do presidente deposto Mohamed Morsy.

O banho de sangue provocou uma crise governamental, com a renúncia do vice-presidente Mohamed ElBaradei, e foi condenado pela ONU e por países ocidentais e muçulmanos.

As autoridades tinham prometido um retirada "gradual" dos manifestantes das praças cairotas de Rabaa al-Adawiya e Nahda, ocupadas há um mês e meio por milhares de partidários de Morsy, derrrubado no dia 3 de julho pelos militares e detido desde então.

Mas as tropas policiais e militares surpreenderam as pessoas acampadas nas duas praças, realizando um cerco ao amanhecer, e começaram a avançar com escavadeiras e disparando bombas de gás lacrimogêneo contra as barracas, que abrigavam várias mulheres e crianças.

O governo anunciou pela manhã o desmantelamento da Nahda. Já na parte da tarde, as forças de segurança anunciaram o controle total da praça Rabaa al-Adawiya.

O Ministério da Saúde indicou à tarde que 149 pessoas haviam morrido na operação, embora somente no necrotério improvisado ao lado da praça Rabaa um jornalista da AFP tivesse contado algumas horas antes 124 cadáveres.

Nesse hospital de campanha, os médicos mantinham um ritmo frenético e abandonavam os casos mais críticos para atender os feridos con mais chances de sobreviver.

A Irmandade Muçulmana, movimento de Morsy, afirma que a repressão deixou 2.200 mortos e mais de 10.000 feridos. Outras regiões foram cenário de incidentes, com choques em Alexandria (norte) e o incêndio de três igrejas cristãs coptas no centro do país.

[SAIBAMAIS]O governo decretou estado de emergência nacional e um toque de recolher no Cairo e em outras onze províncias das sete horas da tarde até as seis da manhã (14h00 a 01h00 de Brasília). Ambas as medidas vão vigorar por um mês. Antes, todas as conexões ferroviárias já haviam sido suspensas no Cairo para dificultar as mobilizações.



-- Crise no governo --


A repressão desencadeou uma crise governamental e dividiu amplos setores civis e religiosos que haviam apoiado o golpe contra Morsy.

O vice-presidente Mohamed ElBaradei apresentou sua renúncia em uma carta enviada ao presidente interino, Adly Mansour.

"Ficou difícil para mim seguir assumindo a responsabilidade por decisões com que não concordo", escreveu o Prêmio Nobel da Paz. "Infelizmente, aqueles que vão ganhar com o que aconteceu hoje são os grupos extremistas, que querem a violência e o terror", acrescentou.

A mesquita Al-Azhar do Cairo, principal autoridade mundial sunita (ramo do Islã), também lamentou a repressão. "O uso da violência nunca foi uma alternativa a uma solução política", disse o grão-imã de Al-Azhar, Ahmed al-Tayyeb, em declarações à televisão.

A Irmandade Muçulmana convocou uma mobilização geral para "conter o massacre". "Isto não é uma tentativa de dispersão, e sim uma sangrenta tentativa de esmagar todas as vozes de oposição ao golpe militar que derrubou Mursi", escreveu no Twitter o porta-voz da Irmandade, Gehad al-Haddad. A violência política já tinha deixado mais de 250 mortos desde o final de junho até antes da repressão desta quarta.

-- Condenações internacionais --

A repressão causou consternação e foi condenada por diversos países pelo futuro do Egito, o mais populoso dos países árabes.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lamentou que as autoridades egípcias "tenham decidido usar a força". Os Estados Unidos, que concedem ao Egito cerca de 1,5 bilhão de dólares anuais de ajuda, principalmente militar, criticaram a repressão e as medidas de exceção.

O secretário de Estado americano, John Kerry, pediu que os militares egípcios convoquem eleições e fez um apelo a todas as partes para que evitem mais violência.

Kerry considerou "deplorável" a repressão contra os seguidores de Morsy e afirmou que o Egito deve optar por "uma saída pacífica e democrática".

"A violência só deixará mais complicado para o Egito seguir um caminho de estabilidade e democracia duradoura e vai de encontro às promessas feitas pelo governo interino de buscar a conciliação", afirmou, por sua vez, o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest.

O estado de emergência foi quase permanente durante as três décadas do governo de Hosni Mubarak, derrubado em 2011 por uma insurreição popular, que muitos consideram o auge da Primavera Árabe que causou a queda dos regimes autoritários de Tunísia, Egito e Líbia.

A França pediu o "fim imediato da repressão" no Egito e fez um apelo para que a ONU e seus principais parceiros "para que uma posição internacional neste sentido seja tomada com urgência", declarou o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius.

Morsy foi o primeiro presidente do Egito eleito democraticamente. O movimento foi ilegalizado em 1954 e, a partir de então, passou a ser reprimido pelos sucessivos governos egípcios, mas voltou a atuar legalmente após a queda de Mubarak, em fevereiro de 2011, chegando à vitória nas eleições legislativas e presidenciais de 2012.