Lisboa - É cena comum no comércio de Lisboa ver idosos trabalhando. Não há estatística oficial sobre o fenômeno, porque muitos se ocupam informalmente e por conta própria. Especialistas consideram que há mais de uma razão para as pessoas acima dos 65 anos continuarem trabalhando. Os motivos vão desde o prazer do ofício até a necessidade econômica, agravada com a crise e o desemprego que afeta filhos e netos em idade ativa.
Há também quem ainda trabalhe para manter-se em atividade e, assim, cuidar da saúde. É o que explica Júlia Rodrigues Azevedo Nunes, de 77 anos, dona há mais de 40 anos de uma pequena mercearia. ;A médica não quer que eu largue isto. Enquanto estou aqui, estou entretida. Vem uma pessoa e conversa. Aqui é meu passatempo;, disse dona Júlia à Agência Brasil antes de aconselhar que ;ir para casa é morrer mais depressa;.
Além da saúde, há quem trabalhe porque não tem descendente que o substitua. No caso de dona Júlia, a única filha é dona de uma butique e os dois netos ainda estão estudando, e mais ninguém na família se interessa por trabalhar na mercearia, revela. A falta de pessoas que substituam os mais velhos nas atividades laborais é um fenômeno no país, que tem cada vez menos crianças, adolescentes e adultos na chamada idade ativa, até 65 anos.
;Desde 2010 que o número de pessoas potencialmente a sair do mercado de trabalho (pessoas de 55 a 64 anos de idade) não é compensado pelo número de pessoas potencialmente a entrar no mercado de trabalho (pessoas com 20 a 29 anos de idade); em 2012, por cada 100 pessoas potencialmente a sair do mercado de trabalho apenas 89 estariam potencialmente a entrar no mercado de trabalho;, descreve boletim publicado na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) de Portugal.
Conforme o INE, o número de idosos para cada 100 pessoas em idade ativa cresce desde 1991. No ano passado, para cada 100 pessoas em idade ativa residiam em Portugal 29 idosos. A tendência é mais envelhecimento no futuro próximo. Desde a virada do século, o número de pessoas com mais de 65 anos é maior do que de crianças e adolescentes em Portugal.
De acordo com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que na semana que passou promoveu o seminário O País Pode Morrer de Velho?, ;o número de pessoas com 65 e mais anos nunca foi tão alto, em Portugal, como atualmente;, e muitos vivem sós. A maioria (52%) das ;famílias unipessoais; tem 65 ou mais anos. Duas razões demográficas explicam o envelhecimento: a elevada expectativa de vida (hoje em quase 80 anos) e diminuição da fecundidade. A taxa de fecundidade da portuguesa é 1,28 filho, abaixo do índice no Brasil (1,9 filho) e da taxa mínima para que haja crescimento populacional (2,1 filhos).
A situação demográfica está fazendo com que brasileiros estudem o envelhecimento em Portugal. Esee é o caso de Wilson José Alves Pedro, professor de gerontologia da Universidade Federal de São Carlos ; SP, e de Janaína Alvarenga Aragão, professora de enfermagem da Universidade Estadual do Piauí, que fazem pesquisa no Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa.
Segundo a professora, o Brasil, que sempre foi jovem, se depara com realidade nova e o Estado e a sociedade devem ;garantir que apesar da necessidade de cuidados, as pessoas [idosas] possam definir o que querem;. O protagonismo da população também é defendido por Wilson Pedro, que sugere a ;escuta permanente; da população entre profissionais e organizações que atendam ao público. Chama a atenção dele a independência e a circulação de idosos em Lisboa, o que em parte se deve às políticas públicas. ;Aonde a gente vai, observamos as pessoas com suas garantias de mobilidade;.