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Crise governamental é a imagem do declínio da Autoridade Palestina

Hamdallah apresentou a sua demissão na quinta-feira, menos de três semanas após a sua nomeação, após divergências com seus dois vice-primeiros-ministro

RAMALLAH - A renúncia relâmpago do primeiro-ministro palestino Rami Hamdallah, apresentada e retirada em 24 horas, revela a profundidade da crise de uma Autoridade Palestina em processo de decomposição, de acordo com analistas e políticos.

Hamdallah apresentou a sua demissão na quinta-feira, menos de três semanas após a sua nomeação, após divergências com seus dois vice-primeiros-ministros. Ele finalmente decidiu permanecer no cargo após se reunir nesta sexta com o presidente Abbas, mas exigiu "competências claras e definidas para ele, como chefe de governo, e seus vice-ministros nos termos da lei, a fim de evitar conflitos e confusões nas prerrogativas" de cada um, de acordo com uma fonte do gabinete do primeiro-ministro.



Ao contrário de seu sucessor Salam Fayyad, um economista elogiado pela comunidade internacional, Hamdallah, um respeitado acadêmico pouco conhecido no exterior, entrou em rota de colisão com dois vice-primeiros-ministros, o deputado Ziad Abu Amr e Mohammad Mustafa, presidente do Fundo de Investimento da Palestina (FIP) e conselheiro econômico do presidente. "O que incendiou a questão foi o mandato concedido a Mohammad Moustapha pelo presidente Abbas para assinar acordos com o Banco Mundial", e essa tarefa fazia parte das prerrogativas de Fayyad, explicou à AFP uma fonte ligada a Hamdallah.

O secretário-geral do Partido do Povo Palestino (ex-comunista), Bassam Salhi, indicou à AFP que "a renúncia de Hamdallah confirma a existência de uma crise institucional do sistema político palestino".

De acordo com o cientista político palestino Abdelmajid Suilem, "ele não pode ser primeiro-ministro com intromissões em seus poderes em duas frentes, política e econômica". "Hamdallah não estava entusiasmado e só aceitou o cargo de forma provisória. A evidência disso é que ele não tinha (na época) renunciado à presidência da Universidade" Al-Najah de Nablus, no norte da Cisjordânia, observou.

"Selva de Muqata;ah"

Desde a sua nomeação, Hamdallah havia dito que queria se dedicar rapidamente à formação de um governo de união nacional, como previam os acordos de reconciliação entre o Fatah de Mahmud Abbas e o Hamas. "Este governo fez parte dos esforços de reconciliação. Espero que no dia 14 de agosto o presidente Abbas forme um novo governo, em virtude do acordo entre o Hamas e o Fatah", havia afirmado.

Durante uma reunião no Cairo em 14 de maio, Fatah e Hamas, que governam respectivamente as zonas autônomas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, estabeleceram um prazo de três meses para aplicar as principais cláusulas de seus acordos de reconciliação, que registram sucessivos fracassos há mais de dois anos.

"Quem conhece Hamdallah o descreve como um homem forte e íntegro, de posições e princípios patrióticos. É por isso que ficaram surpresos com a notícia de que aceitaria o cargo, mas não com a sua rápida saída", comentou em um editorial o jornal pan-árabe Al-Quds al-Arabi. "A selva de Mukata;ah (sede da Presidência) em Ramallah não permite que uma pessoa com essas características sobreviva no meio de leões e hienas", de acordo com o jornal, para quem "Hamdallah quer ser um verdadeiro primeiro-ministro e ter a palavra final nos assuntos do governo, enquanto a Autoridade quer fazer dele um mero fantoche".

A maioria absoluta dos palestinos (59%) aprovou a nomeação de Rami Hamdallah para suceder Salam Fayyad, que teve sua saída apoiada por dois terços da opinião pública, segundo uma pesquisa divulgada na segunda-feira. A maioria relativa (40%) considera que a Autoridade Palestina se tornou um fardo, contra 30% que a consideram uma "conquista", indica essa pesquisa.

Aos 54 anos, presidente desde 1998 da Universidade Al-Najah de Nablus, no norte da Cisjordânia, Hamdallah é também secretário-geral da Comissão Eleitoral Central (CEC) e presidente do diretório da Bolsa palestina, com sede em Nablus. Ligado ao Fatah e membro do diretório da Fundação Yasser Arafat, dedicada à memória do falecido presidente palestino, ele é doutor em Linguística Aplicada da Universidade britânica de Lancaster.