Jornal Correio Braziliense

Mundo

Nicolás Maduro inicia a era pós-Hugo Chávez enfraquecido politicamente

Capriles, governador do estado de Miranda, de 40 anos, anunciou ao país que não reconheceria os resultados até que se conte cada voto dos venezuelanos, um por um

Caracas - Nicolás Maduro inicia a era pós-Hugo Chávez enfraquecido politicamente após uma vitória apertada nas eleições presidenciais, que, questionadas pela oposição, deixam nesta segunda-feira a Venezuela em suspense.

"Hoje tod@s a acompanhar Nicolás Maduro em seu ato de proclamação como nosso Presidente Eleito. Praça Caracas, 2 pm. Viva Chávez", escreveu nesta segunda-feira no Twitter o ministro da Informação, Ernesto Villegas, divulgando uma informação confirmada à AFP por uma fonte do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Leia mais notícias em Mundo

Maduro, o sucessor de Chávez, ganhou a Presidência da Venezuela com 50,66% dos votos contra 49,07% do líder opositor Henrique Capriles - uma diferença absoluta de 235.000 votos - segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que considera a tendência irreversível.

"Estamos em uma situação muito delicada. A margem é tão estreita que, em um país extremamente polarizado, é difícil de engolir politicamente. Ficou em evidência de que o país está partido literalmente em dois. Somos matematicamente duas metades", afirmou à AFP o sociólogo e analista político Ignacio Avalos.

Voto a voto

Após o anúncio do CNE, Maduro, ex-motorista de ônibus e ex-sindicalista de 50 anos, afirmou no Palácio de Miraflores que sua vitória é "justa, legal e constitucional", que concede ao herdeiro de Hugo Chávez uma legitimidade revolucionária, mas concordou que seja feita uma auditoria para que não reste dúvidas sobre os resultados.

No entanto, pouco depois, Capriles, governador do estado de Miranda, de 40 anos, anunciou ao país que não reconheceria os resultados "até que se conte cada voto dos venezuelanos, um por um".

A recontagem de 100% dos votos emitidos nas eleições presidenciais de domingo força a abertura de todas as urnas de votação que contêm os comprovantes físicos dos votos transmitidos de forma eletrônica ao CNE, que até o momento não se pronunciou oficialmente sobre o pedido de auditoria.

O tempo é curto. O autoproclamado "filho" de Chávez deve tomar posse na próxima sexta-feira e completar o período de seis anos do falecido presidente, iniciado no dia 10 de janeiro, após sua vitória nas eleições de outubro.

Nenhuma pesquisa havia previsto um resultado tão estreito e as últimas estimavam que a vantagem de Maduro chegava a 10 pontos.

Nas últimas eleições de outubro, Chávez derrotou Capriles por 11 pontos percentuais, equivalentes a 1,6 milhão de votos.

Calma aparente

O país estava nesta segunda-feira em uma calma aparente, sem informações sobre incidentes por parte das autoridades, mas a tensão e a incerteza eram sentidas nas ruas, à espera dos passos a serem seguidos por Capriles e Maduro.

"Queremos uma revisão da votação para que possamos (...) estar certos de que perdemos. As pessoas votaram por um morto, não pelo incapaz", disse à AFP Oswaldo Gómez, um contador de 56 anos, que debatia com amigos os resultados da eleição de domingo, diante de uma banca de jornais no bairro de Chacao.

Na madrugada, perto do Palácio de Miraflores, onde a festa chavista foi realizada, a confusão era evidente: "Os números não mentem, o burguesinho deve reconhecer o resultado apresentado pelo CNE. Não sei o que aconteceu, muitos mudaram, mas o presidente agora é Maduro para seguir o legado do Comandante", disse Nahem Machado, um trabalhador de 41 anos.

Os desafios

Após 14 anos de hiperliderança de Chávez, Maduro herda uma Venezuela, além de radicalmente dividida em duas, com uma economia totalmente dependente da renda petroleira e das importações, atingida pelo déficit público, pela inflação, pela escassez de produtos básicos e pela falta de divisas.

Atacar a insegurança, que se traduziu em 16.000 homicídios em 2012, a maior taxa da América do Sul, também será uma das prioridades do próximo governo. Diferentemente de Chávez, que evitava este tema, Maduro propôs em campanha acabar com a criminalidade.

"Para o país se recuperar deverá ser convocado um governo de unidade nacional, o país não pode progredir enquanto o governo tiver um apartheid político", disse à AFP o analista Hernán Castillo.

Para Avalos, o "grande esforço (...) é como voltar a ser um país, com seus conflitos e contradições, com mecanismos de negociação. Aqui ninguém fala com ninguém", lamentou.

Seguidores, e inclusive opositores, reconhecem que Chávez deu visibilidade aos pobres e impulsionou os programas sociais que diminuíram a pobreza de 50% há 14 anos para 29% atualmente, segundo números da Cepal. Os críticos lamentam, no entanto, que tenha criado uma exclusão política e utilizado estes programas para angariar votos.

Equilíbrio cívico-militar

As Forças Armadas, segundo os analistas, são importantes em meio a esta incerteza, dado o poder que têm na estrutura do governo - 11 de 23 governadores são militares.

"Refletem o que é o país, o que é a sociedade venezuelana. Estão divididos. Há uma luta entre os que estão tentando transformar as Forças Armadas no braço armado do Partido Socialista Unido da Venezuela e a outra parte que defende sua missão institucional", afirmou Castillo.

A manchete desta segunda-feira do jornal econômico El Mundo é uma mostra muito eloquente da situação vivida pelo país quarenta dias após a morte de Hugo Chávez, o líder que governou desde 1999: "Estabilidade do país passa por quartéis militares".

Enquanto isso, os aliados da Venezuela, Cuba, Bolívia, Argentina, Rússia, Belarus e Equador, já saudavam a vitória de Maduro.