Agência France-Presse
postado em 05/03/2013 20:02
Caracas - Hugo Chávez teve no líder cubano Fidel Castro um mentor que o orientou desde sua ascensão política na Venezuela e que o ajudou nas adversidades, uma ajuda que o falecido chefe de Estado recompensou contribuindo no resgate da anêmica economia cubana às custas do petróleo e de subsídios.
Durante duas décadas, Chávez e Castro foram amigos, aliados e confidentes, que se apoiaram incondicionalmente em política interna e externa, até o ponto de o venezuelano querer preparar o terreno para unir os dois países em uma federação, o que foi rejeitado por seus compatriotas em um referendo constitucional em 2007.
"Fidel é, para mim, um pai, um companheiro, um professor de estratégia perfeita (...) Nós dois temos que agradecer a vida por termos nos conhecido", admitiu Chávez em uma entrevista em 2005 ao jornal oficial cubano Granma.
O líder da revolução cubana reparou no tenente-coronel Chávez, 28 anos mais novo que ele, quando o venezuelano liderou em 1992 um frustrado golpe de Estado contra os velhos e desgastados partidos do país.
O jovem revoltado passou dois anos na prisão e, ao sair, foi convidado pessoalmente a Havana por Fidel, que o recebeu aos pés da escada do avião como um chefe de Estado.
Desde o triunfo da revolução cubana, Fidel Castro havia prestado uma atenção particular à Venezuela por sua riqueza petrolífera e porque o presidente social-democrata Rómulo Betancourt havia se convertido na vitrine da Aliança para o Progresso, programa com o qual Washington procurava contrabalançar o contágio revolucionário cubano.
Cuba forneceu, então, ajuda militar às guerrilhas comunistas venezuelanas.
Para Cuba, "a Venezuela sempre foi muito atrativa em termos geopolíticos porque tem o que a ilha não possui: petróleo e energia", explica à AFP o historiador e escritor Angel Lombardi, para quem o líder cubano não perdeu a oportunidade.
"Fidel sempre apostou em aproveitar situações políticas em outros países para criar influência na região. E um golpista encaixava perfeitamente neste esquema", disse Lombardi.
A convergência ideológica não ocorreu imediatamente, mas Fidel aproveitou o fato de que Chávez "não tinha nenhuma formação e era um político que se acomodava às circunstâncias para atraí-lo", afirma Lombardi.
Com a chegada ao poder do venezuelano, em 1999, os dois presidentes começaram a se ver com frequência, forjando uma aliança observada com muita atenção pela região e por Washington.
A oposição conservadora venezuelana começou, por sua vez, a se inquietar, à medida que cresciam os rumores sobre a influência política de Castro em Chávez e os dois exibiam orgulhosos sua boa sintonia, disputando partidas de beisebol ou fazendo turismo pelo país petroleiro.
"Precisam multiplicar Chávez por 5.000, por 10.000, por 20.000", declarou em uma ocasião o líder comunista, que cedeu a ele muito rápido as bandeiras do anti-imperialismo e o propulsou no cenário internacional como o novo líder da esquerda revolucionária.
[SAIBAMAIS]A aposta de Fidel por Chávez foi retribuída rapidamente. Os dois assinaram em 2000 um convênio que segue em vigor e através do qual a Venezuela fornece hoje cerca de 130 mil barris diários de petróleo a condições preferenciais.
Em uma Cuba comunista que sofria com a perda dos milionários subsídios da desaparecida União Soviética, a ajuda de Caracas, que se converteu em pouco tempo em seu primeiro sócio comercial, significou literalmente um resgate econômico.
Em 2003, Fidel foi novamente o ator necessário para um jovem presidente que acabava de sofrer um golpe de Estado frustrado e que temia a aproximação de um referendo revogatório de seu mandato.
O líder cubano o aconselhou a lançar as missões sociais de ajuda aos setores mais vulneráveis, com um impacto político imediato que o permitiu superar a consulta quando ela foi finalmente realizada, em 2004.
Habitação, assistência médica, alimentos... Chávez mobilizou bilhões de dólares para levantar estes bem-sucedidos programas nos quais Cuba contribuiu de forma determinante e também lucrou com o envio de dezenas de milhares de médicos e de outros colaboradores.
Embora Fidel tenha se retirado do poder por motivos de saúde em 2006, sua aliança com Chávez se manteve intacta. Em 2012, o venezuelano foi reeleito nas urnas e inventou seu "socialismo do século XXI", embora tenha cuidado para não associá-lo ao comunismo cubano, rejeitado inclusive entre seus partidários.
Os dois países continuaram desenvolvendo suas relações comerciais e montando negócios conjuntos. Caracas aprovou novos créditos e Havana enviou mais mão-de-obra, entre acusações da oposição venezuelana de que também despachava agentes secretos a serviço do presidente.
O sigilo com o qual os dois governos administraram estes intercâmbios explica a falta de números oficiais sobre o valor, assim como os números da dívida cubana com o país sul-americano.
Em 2011, Fidel em pessoa informou a Chávez em Cuba de que sofria de câncer e os médicos cubanos começaram seu tratamento.
Durante os últimos meses de sua vida, nos quais passou tanto tempo na ilha comunista quanto em seu país, o presidente venezuelano ouviu mais uma vez os conselhos de seu mentor, que sempre recomendou que cuidasse de sua saúde.