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As missões sociais, o vínculo de Chávez com os pobres da Venezuela

Aconselhado pelo líder cubano Fidel Castro, Chávez lançou em 2003 as primeiras missões para enfrentar uma perigosa queda de sua popularidade, que havia se consolidado em um fracassado golpe de Estado em 2002



Foram criadas mais de trinta missões em áreas como saúde, educação, alimentação, emprego, moradia, agricultura e segurança.

[SAIBAMAIS]A princípio, os programas eram uma "solução eleitoral para enfrentar a situação adversa" do referendo revogatório, mas depois foram instaurados como "braço social" da gestão Chávez, explicou à AFP a socióloga Yolanda D;Elia, consultora do Instituto Latino-americano de Pesquisa Sociais.

"Quando o presidente lançou as missões, estava reconstituindo uma relação debilitada, de proximidade com as pessoas e a vida cotidiana", comentou, por sua vez, o diretor da pesquisadora Datanálisis, Luis Vicente León. "Essa reconexão elevou a popularidade do presidente a picos de 70%", acrescentou.

Ao final de quase uma década desde sua criação, durante a campanha em que conseguiu sua reeleição para um terceiro mandato, Chávez celebrou os programas porque ajudaram a "tirar da miséria" três milhões de venezuelanos e se converteram no "coração" da chamada revolução bolivariana.

"As missões são um grande esforço histórico. As missões sociais, socialistas, se converteram praticamente no coração do processo bolivariano", afirmou, em um comício, afirmando que dois terços da população se beneficiaram em algumas delas.

Assim, a denominada "Grande Missão Moradia", com a qual aspirava cobrir o déficit de três milhões de casas até 2019, se tornou sua ponta de lança durante a mais recente campanha.

Apesar de não existirem dados comparativos sobre o impacto das missões entre os mais carentes, segundo dados da Cepal, a indigência na Venezuela caiu de 21,7% em 1999 para 11,7% em 2012, e a pobreza passou de 49,4% a 29,5% no mesmo período.

Os principais êxitos dos programas foram "a inclusão dos pobres e a identificação de seus problemas, assim como o incentivo aos cidadãos para participar nas políticas sociais ", assinalou Luis Pedro España, catedrático da Universidade Católica Andrés Bello.

Através das ajudas sociais, milhares de donas de casa pobres puderam converter-se em microempresárias, juntas comunitárias foram financiadas para montar negócios ou centenas de camponeses começaram a produzir em suas terras.

Por causa de ajudas como estas, tocou fundo nos pobres o discurso chavista de "amor ao povo" e gerou esperança entre esse setor da sociedade ante a expectativa de chega a beneficiar-se de uma das missões, acrescentou León.

"Gerou-se um nexo simbólico-emocional e material com os setores populares, que não havia recebido assistência das instituições", analisou D;Elia, enfatizando que nos últimos anos os beneficiários das missões também responderam com "lealdade ao presidente ou adesão a sua figura".

Chávez assumiu o poder 1999 em uma Venezuela rica em petróleo, mas com a maioria de sua população na pobreza. Assim, seu discurso se centrou em "distribuir a riqueza petroleira" e a "governar para os pobres".

Exatamente com essa mensagem, o presidente criou um "mecanismo paralelo" ao aparelho estatal para dispor de forma "rápida" e "sem travas burocráticas" dos recursos, relatou D;Elia.

Graças aos enormes excedentes da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), já que o preço da cesta venezuelana é subestimado na preparação do orçamento, Chávez pôde financiar as missões sem fiscalização de qualquer organismo.

Apenas nos últimos anos, foram destinados cerca de 23 bilhões de dólares às cinco ;grandes missões; para a construção de moradias, os desempregados, os subsídios às mães e idosos pobres e para a reativação da produção agrícola, segundo o próprio Chávez.

Apesar do elevado gasto, as falhas na gestão e seu caráter pontual, individualizado e seletiva colocaram em dúvida sua eficácia, segundo os especialistas.

"As missões foram um conjunto de ações dispersas que, ao longo de três ou quatro anos, funcionaram bem, mas que não eram um plano articulado e tinham um fim estritamente político", afirmou España.

O sociólogo criticou, além disso, o caráter assistencialista e "clientelista" desses programas, alguns deles reservados a militantes do governo, o que, segundo ele, não resolveu os problemas de fundo da população mais pobre.