Caracas - O governo venezuelano investiu esta terça-feira (5/3) contra os Estados Unidos, com a expulsão de dois diplomatas e acusou seus "inimigos históricos" pelo câncer de Hugo Chávez, enquanto admitiu que a deterioração da saúde do presidente coloca o país perante "suas horas mais difíceis".
[SAIBAMAIS]Dois adidos militares da embaixada americana em Caracas foram expulsos do país por contatar militares da Força Armada venezuelana para "lhes propor projetos desestabilizadores", denunciou o vice-presidente, Nicolás Maduro. Maduro fez a denúncia contra o adido aeronáutico David Delmonico, enquanto o chanceler Elías Jaua destacou posteriormente que um segundo, Deblin Costal, devia deixar o país.
A embaixada dos Estados Unidos em Caracas, que prevê reagir oficialmente ao anúncio, disse à AFP não ter conhecimento de um funcionário com o nome de Costal. Venezuela e Estados Unidos mantêm relações diplomáticas tensas e carecem de embaixadores em suas capitais.
Maduro lançou um discurso violento contra este país e os "inimigos" da Venezuela ao ponto de acusá-los de ter provocado o câncer de Chávez. "Nós não temos nenhuma dúvida, chegará o momento da história em que se poderá formar uma comissão científica", que revelará "que o comandante Chávez foi atacado com esta doença", disse Maduro em uma entrevista coletiva exibida pela televisão, ao final de uma reunião com a cúpula militar e política no Palácio de Miraflores.
Chávez há tinha sugerido em 2011 a possibilidade de que seus inimigos tivessem provocado o câncer do qual padece, assim como a outros líderes americanos que sofreram desta doença. Maduro pediu união aos ;chavistas; diante do inimigo que "busca gerar um cenário de caos para buscar uma intervenção estrangeira" na Venezuela.
Maduro, de 50 anos, foi nomeado por Chávez antes de viajar a Havana para a quarta cirurgia contra o câncer como seu herdeiro político e candidato governista caso não pudesse reassumir o poder e fossem convocadas novas eleições.
A investida contra os Estados Unidos e a demonstração de união que o governo exibiu ao se apresentar reunido ao lado da cúpula militar ocorre no dia seguinte ao anúncio sobre a piora do estado de saúde de Chávez, de 58 anos, no poder desde 1999, mas que há quase três meses não é visto.
"Oração, ação, com nossa alma, com nossa mente, orando pela saúde e a vida do nosso comandante presidente, nestas horas que são as mais difíceis que vivemos desde a operação em 11 de dezembro", em Cuba, disse o vice. Maduro reiterou que Chávez sofreu "complicações" nos últimos dias e que a nova infecção de que padece é "muito severa".
Desde as primeiras horas da manhã, dezenas de seguidores se dirigiram em oração à recém inaugurada "Capela da Esperança" do hospital militar de Caracas, onde Chávez permanece internado.
"Vim rezar após a notícia de ontem, que foi impactante. A maneira que temos (de enfrentar) é não perder a fé, a esperança", explicou Marta Rodríguez, uma dona de casa de 50 anos. Outras pessoas choravam entre orações na capela, onde um papel colado à parede anunciava: "Aberta ao povo para orar pela saúde de nosso comandante presidente".
O ministro da Informação, Ernesto Villegas, anunciou na segunda-feira uma "piora da função respiratória (do presidente) relacionada com o estado de imunodepressão próprio de sua situação clínica". "Atualmente apresenta uma nova e severa infecção", acrescentou o ministro, sem prever um eventual retorno, inabilitação ou renúncia de Chávez.
Chávez é submetido a sessões de "quimioterapia de forte impacto, entre outros tratamentos complementares", disse Villegas. "A evolução de seu quadro clínico continua sendo muito delicada", acrescentou.
Um oncologista do respeitado Hospital Sírio Libanês de São Paulo, o doutor Carlos Dzik, consultado pela AFP sobre o agravamento do estado de saúde de Chávez, explicou que "a sequência é assim: por causa da quimioterapia, ele está com uma depressão da imunidade e em função disso, contrai uma infecção". "Em geral se faz a quimioterapia quando o paciente tem alguma chance de responder a este tratamento", continuou o especialista.
"O comunicado de ontem não tem um bom aspecto. É difícil que possa ser curado. Mas o povo vai aguardar (com esta incerteza) até onde puder, porque embora esteja assim, continua sendo líder e a maioria dos venezuelanos está com ele", disse à AFP Giovanni Cardinali, funcionário de uma oficina de consertos de sapatos de Caracas.
A coalizão opositora MUD informou, por sua vez, que "a informação sem precisão sobre a saúde do presidente, ao invés de tranquilizar, inquieta, e ao invés de diminuir os rumores, os aumenta".
"A informação dada ontem pelo ministro Villegas (...) começa já a se aproximar de uma informação mais difícil sobre o desenlace deste processo" da doença, avaliou o analista Luis Vicente León, presidente da empresa Datanálisis, em declarações à emissora Globovisión.
Mas para ele, o boletim também representa informação política. "Tem os filtros correspondentes à política, a política vai decidir que coisas podem ser ditas e quando podem ser ditas", afirmou.
Os estudantes que há uma semana se instalaram em barracas no bairro opositor Chacao de Caracas para exigir a verdade sobre a saúde do presidente reagiram com ceticismo ao comunicado.
"Nós continuamos esperando uma resposta concreta, que nos digam se o presidente pode voltar a governar ou não e, se não, que se declare sua falta absoluta e eleições sejam convocadas", disse Gerardo Leaiza, 22 anos, estudante da Universidade de Zulia.
Mas, segundo pesquisa recente da Datanálisis, 56,7% dos venezuelanos acreditam que Chávez vai se recuperar, enquanto quase 30% avaliam que não retornará ao poder.
Nesta terça-feira (5/3), o presidente completa 16 dias de seu surpreendente retorno ao seu país, após permanecer mais de dois meses em Cuba, onde foi operado pela quarta vez do câncer detectado em 2011. Reeleito em outubro para um terceiro mandato de seis anos, Chávez não pôde tomar posse em 10 de janeiro, como estava previsto, e o Tribunal Supremo avaliou na época que ele poderia fazê-lo quando estivesse em condições.
Após a cirurgia, Chávez tem sofrido problemas respiratórios, mas o governo garante que ele continua no comando do país e desmente os boatos de uma possível desestabilização da Venezuela. Villegas acusou os "laboratórios estrangeiros" e a "direita venezuelana" de criar uma "guerra psicológica" para "gerar cenários de violência como pretexto para uma intervenção estrangeira".
Desde o retorno de Cuba, o mistério sobre a saúde de Chávez permanece impenetrável como antes. Não existem registros de imagens de sua estadia no país e, durante a prolongada convalescença, o governo divulgou fotos apenas uma vez, em Havana, na cama, ao lado das filhas, com o jornal Granma na mão.
Chávez foi diagnosticado de câncer - do qual se desconhece a localização exata e a gravidade - em meados de 2011 e desde então foi submetido a quatro cirurgias, assim como a ciclos de quimioterapia e radioterapia. Ele foi tratado quase exclusivamente em Cuba, onde gozou de total privacidade.