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Justiça uruguaia rejeita lei que tornou crimes da ditadura imprescritíveis

A lei questionada foi aprovada em 2011 pelo governista Frente Ampla (esquerda) com a meta de refogar norma de 1986 que freou durante anos os julgamentos de militares por violações dos direitos humanos

Montevideu - A Suprema Corte de Justiça (SCJ) do Uruguai declarou nesta sexta-feira (22/2) inconstitucional uma lei de 2011 que havia determinado que os crimes cometidos na última ditadura (1973-1985) eram imprescritíveis, o que gera incerteza sobre as investigações em andamento destes crimes.

A lei agora questionada foi aprovada em outubro de 2011 pela governista Frente Ampla (esquerda) com a meta de revogar de fato uma norma de 1986 que freou durante anos os julgamentos de militares por violações dos direitos humanos e cumprir com uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que ordenou ao Uruguai investigar e julgar os crimes da ditadura. "O que o Tribunal faz é declarar inaplicáveis dois artigos em um caso concreto. Agora os juízes dirão de que modo esta declaração do Tribunal incide em cada processo", explicou Raúl Oxandarabat, porta-voz da SCJ.



Os artigos questionados declaravam os crimes cometidos em aplicação do terrorismo de Estado até 1; de março de 1985 como "crimes contra a humanidade em conformidade com os tratados internacionais" e afirmavam que "não se computará prazo algum processual, de prescrição ou caducidade" para seu julgamento.

Segundo o porta-voz, "as vias pelas quais pode se seguir investigando são múltiplas", mas os juízes não poderão aplicar estes artigos para processos envolvidos em violações de direitos humanos. De fato, "volta-se à situação anterior, quando houve juízes que usaram outras leis" para processar militares e civis por esses crimes, acrescentou. A Corte justificou sua decisão afirmando que a questionada lei viola o princípio da retroatividade estabelecido na Constituição.

Após a divulgação da decisão judicial, a governante Frente Ampla (FA), a central sindical Pit-Cnt e o grupo Mães e Familiares de Detidos Desaparecidos convocaram uma concentração em silêncio para a próxima segunda-feira "por verdade e justiça". A ditadura militar uruguaia deixou como saldo 180 desaparecidos confirmados, segundo as autoridades locais, a maioria desaparecidos na Argentina.

Juan Errandonea, advogado promotor de várias causas de direitos humanos, disse que a decisão "não surpreende, era uma coisa muito previsível pelo comportamento da Corte nos últimos tempos". "Agora é preciso estudar a decisão para onde ver como ficam todos os casos", afirmou.

Tensão com o governo

A decisão da Corte ocorre uma semana após o máximo órgão judicial transferir a órbita civil a uma juíza penal responsável por dezenas de casos de violações de direitos humanos na ditadura, decisão que despertou controvérsias e manifestações contra a independência do Poder Judicial no Uruguai.

A juíza Mariana Mota tinha a seu cargo mais de 40 casos de crimes contra a humanidade. Uma comissão legislativa convocou os ministros da SCJ para que explicassem sua decisão, mas a SCJ decidiu nesta sexta-feira negar o convite. No entanto, o Movimento de Participação Popular (MPP) rejeitou a sentença, acusando a SCJ de buscar a manutenção da impunidade no Uruguai e disse que percorrerá os caminhos legais pertinentes para que os responsáveis pelos crimes sejam julgados.

Para convocar um eventual julgamento políticos são exigidas maiorias especiais no Parlamento; a FA tem uma maioria apertada nas duas câmaras. O deputado governista Luis Puig disse, no entanto, ao jornal El País que promoverá a denúncia da SCJ perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.