Washington - O êxito dos Estados Unidos em ajudar a alcançar um cessar-fogo em Gaza revela que Washington não pode dar as costas ao Oriente Médio e que, talvez, deva aproveitar o momento para tentar retomar as negociações de paz, disseram analistas. Com o presidente islamita do Egito Mohamed Mursi fortalecido depois de ter demonstrado que pode atuar como intermediário entre Israel e os palestinos, este pode ser o momento para que Washington volte a impulsionar as negociações.
Após gestões diplomáticas tensas, a secretária de Estado, Hillary Clinton, e seu colega egípcio, Mohamed Kamel Amr, anunciaram um acordo reconhecendo que "este é um momento crítico para a região". O acordo fixou o cessar-fogo entre o Hamas e Israel após uma semana de violência que deixou ao menos 160 mortos na Faixa de Gaza.
Segundo os termos do acordo, se o cessar-fogo se mantiver as duas partes começarão a negociar nas próximas 24 horas a abertura das fronteiras de Gaza para a livre passagem de pessoas e bens, algo que pode aliviar o empobrecido e populoso território palestino após um bloqueio de seis anos. Mas a própria Hillary disse que agora o "foco deve estar em alcançar um resultado duradouro que promova a estabilidade regional e avanços na segurança, dignidade e legítimas aspirações tanto dos palestinos quanto dos israelenses".
A secretária de Estado foi enviada pelo presidente Barack Obama num momento em que realizavam um importante giro pela Ásia, uma região que Washington afirmou que será nos próximos anos o novo eixo de sua política externa. "Sempre sorrio quando as pessoas falam do eixo da Ásia. O Oriente Médio não deixará que os Estados Unidos o abandone facilmente. Sempre haverá algo que o arrastará" novamente à região, disse à AFP Daniel Kurtzer, ex-embaixador americano em Israel e Egito. "Alguém pode querer ter o eixo na Ásia, mas isso não significa que possa", concordou Elliot Abrams, especialista em estudos do Oriente Médio do Conselho de Relações Exteriores.
[SAIBAMAIS]Existe frustração de que a promessa pronunciada por Obama em um famoso discurso no Cairo em 2009 para dar um novo início às relações com o mundo muçulmano não tenha perdido sua validade, com o naufrágio em poucos meses de sua tentativa de reviver o processo de paz do Oriente Médio.
O assunto agora é se Obama tratará esta última crise de Gaza "apenas como um incêndio" a ser apagado, ou se aproveitará o momento para forjar o processo durante seu segundo mandato de quatro anos, disse Kurtzer, que em seu livro "Pathways to peace" (Caminhos para a Paz) considera que o status quo é insustentável. "Dizem que é preciso esperar a oportunidade de bater (à porta) e isto está batendo muito forte... e não apenas porque chegamos à beira do abismo", mas também porque alguns dos jogadores permanecem à margem, disse.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, permaneceu à margem em sua sede de Ramallah, na Cisjordânia, até a visita de Hillary, na quarta-feira. Kurtzer disse que, se ele fosse Abbas, este seria "o momento de pegar o telefone e dizer a Obama ;estou pronto; para novas negociações". Não significa que serão fáceis. As negociações para o status final, com a meta de dois Estados convivendo um ao lado do outro, incluem temas tão espinhosos quanto o destino de Jerusalém, cidade santa reivindicada por ambos como capital; as fronteiras e os direitos dos refugiados palestinos a retornar. "É necessário resolver este problema imediatamente. Obviamente aqueles problemas de mais longo prazo precisam ser abordados", reconheceu um funcionário de alto escalão do governo.
Enquanto isso, o Egito, que tem um tratado vital de paz com Israel, desfruta os elogios e reforçou as suas credenciais para futuras negociações. "Se o Egito emerge fortalecido porque a trégua se mantém... isso pode reverter as condições existentes e neste ponto (Obama) pode decidir apostar em novas negociações de paz no Oriente Médio", disse à AFP Justin Vaisse, diretor de pesquisas na Brookings Institution. O envolvimento pessoal de Obama, e, em particular, seu firme apoio ao direito de Israel de se defender dos ataques com foguetes de Gaza, também promoveram um grande avanço em seus glaciais laços com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
Netanyahu, que disputará a reeleição em janeiro, aceitou "a recomendação (de Obama) de dar uma oportunidade à proposta egípcia para um cessar-fogo". "Apoiar Israel foi um movimento muito inteligente por parte do presidente e acredito que contribuiu para uma flexibilização por parte de Netanyahu", disse Abrams. Mas enquanto a celebração tomou conta de Gaza e o Hamas proclamava vitória no breve e sangrento conflito, os especialistas advertem que ainda é muito cedo para tirar conclusões. São vislumbradas duras negociações, com muitos obstáculos, como, por exemplo, se o Hamas pode controlar outras facções palestinas militantes em Gaza e se Israel realmente acolherá as demandas palestinas para aliviar o bloqueio.