Afeganistão, Bagram - Os Estados Unidos transferiram ao governo do Afeganistão o controle sobre a controversa prisão de Bagram, apelidada de "Guantánamo Afegão", como parte de um acordo que envolve mais de 3,1 mil prisioneiros, mas que deixa em suspenso o futuro de centenas de outros.
"Nós somos testemunhas de uma cerimônia gloriosa que marca a transferência da gestão dos prisioneiros afegãos para os próprios afegãos", comemorou o ministro da Defesa, Enayatullah Nazari, durante a cerimônia organizada no local, 60 km ao norte da capital Cabul.
Mais de 3,1 mil prisioneiros estão agora sob a responsabilidade das autoridades do Afeganistão, acrescentou Safiullah Safi, um comandante da polícia do exército, ao lado do coronel Robert Taradash, chefe das tropas americanas na província de Parwan.
[SAIBAMAIS]Instalada ao lado da grande base americana de Bagram, esta prisão, onde estão encarcerados há 10 anos supostos membros da rebelião talibã ou da Al-Qaeda, para muitos afegãos virou o símbolo da ocupação americana.
A transferência iniciada nesta segunda-feira (10/9) foi resultado de intensas negociações. Em janeiro, quando surgiu a perspectiva de uma negociação entre talibãs e americanos, da qual Cabul se sentia excluído, o presidente afegão Hamid Karzai ordenou o prazo de um mês para a transferência do controle do local.
Um acordo foi finalmente anunciado em 9 de março, prevendo a transferência dos prisioneiros de Bagram até 10 de setembro. A transferência se tornou uma das condições estabelecidas por Cabul para assinar um acordo de parceria estratégica de longo prazo com os Estados Unidos.
Com a aproximação da retirada, no final de 2014, da força internacional da Otan comandada pelos americanos, que apoiam há mais de 10 anos o frágil governo do Afeganistão contra o talibã, esta transferência é em grande parte simbólica aos olhos de muitos analistas, que ressaltam divergências persistentes entre Washington e Cabul sobre os termos de seu acordo.
O destino de mais de 600 prisioneiros que chegaram a Bagram após 9 de março permanece incerto, porque o acordo diz respeito apenas aos 3,1 mil presos na época. Entre os 600 recém-chegados estão 50 não-afegãos que podem continuar detidos indefinidamente sem razão clara.
Segundo algumas fontes, os americanos não estariam dispostos a transferir todos os presos por medo de que alguns sejam libertados por Cabul por razões políticas ou econômicas.
Outra divergência, de acordo com as autoridades afegãs, as tropas estrangeiras não têm mais o direito de deter cidadãos afegãos. Mas os Estados Unidos ainda acreditam que têm o direito de capturar e prender os protagonistas do conflito no Afeganistão, porque o acordo de 9 de março cita apenas os detentos de Bagram.
Finalmente, segundo Abdul Waheed Wafa, analista e diretor da Universidade de Cabul, "todo mundo sabe que as autoridades afegãs não têm a capacidade de administrar a prisão de Bagram".
Organizações de defesa dos direitos humanos e até mesmo ex-presos afegãos temem a proliferação de casos de tortura na prisão de Bagram sob a gestão do Afeganistão. Segundo Ghaleb, 55 anos, um ex-mujahedin preso em 2003 e detido nas prisões de Guantánamo e Bagram, os americanos tratam seus prisioneiros melhor do que os afegãos.
"Vários presos disseram que tinham melhores condições de detenção sob o comando dos Estados Unidos, porque há inúmeros casos de tortura em penitenciárias afegãs", disse. No entanto, há vários anos organizações de defesa dos direitos humanos relatam maus-tratos contra prisioneiros de Bagram.