Santiago - Após ocupar as ruas do Chile e centenas de colégios e universidades por mais de sete meses no ano passado em uma manifestação que recebeu amplo apoio popular, os estudantes retomaram suas reivindicações por uma educação pública gratuita e de qualidade, que afirmam não terem sido atendidas pelo governo.
Os estudantes do ensino médio são desta vez os que lideram os protestos, com a ocupação de cerca de dez colégios públicos de Santiago, à qual se somou nesta sexta-feira (17/8) a tomada da casa central da Universidade do Chile, a principal do país, ocupada no ano passado por mais de cinco meses.
"Secundaristas e universitários estamos na mesma luta e não vamos voltar atrás nisto", postou em sua conta no site de microblogs Twitter o presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, Gabriel Boric.
Ao contrário do ano passado, o governo autorizou a desocupação dos colégios em operações policiais que na quinta-feira resultaram em 139 detenções.
"O governo não vai tolerar que a violência continue reinando", justificou esta sexta-feira (17/8) o presidente o presidente Sebastián Piñera, que assegurou que seu governo defenderá "a liberdade dos estudantes que querem estudar".
Mas em desafio aberto e, apesar de em 2011 duzentos mil secundaristas terem perdido o ano por causa das invasões e das mais de 40 marchas realizadas, vários colégios voltaram a ser ocupados.
"Não me surpreende que desta vez o peso da indignação esteja sobre os estudantes", disse à AFP o especialista em educação Mario Waissbluth.
"Os estudantes, principalmente os secundaristas, saíram para pedir menos segregação no sistema escolar, mais gratuidade, menos lucro e o fortalecimento da educação pública, e a resposta do governo foi na direção contrária", explicou.
No âmbito de uma proposta de ajuste tributário, que visa a arrecadar até 1 bilhão de dólares para a educação, Piñera propôs um incentivo tributário destinado a reduzir para as famílias de classe média o pagamento do imposto anual em até 400 dólares destinados ao pagamento das taxas em colégios privados, mas que recebem subsídio estatal.[SAIBAMAIS]
Segundo Waissbluth, essa proposta contribui para aumentar a segregação do sistema educacional chileno - uma das maiores do planeta - e é um balde de água fria para o fortalecimento da educação pública.
Os colégios subsidiados foram criados pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e acolhem hoje mais de 50% das matrículas. São administrados por particulares, mas o Estado paga um valor mensal por cada aluno, e seus pais também devem pagar taxas.
Essas instituições de ensino não demonstraram ser melhores academicamente do que os colégios públicos e, na prática, se tornaram um lucrativo negócio para seus proprietários.
Os secundaristas querem proibir a obtenção de ganhos nestas escolas e que os colégios públicos - hoje administrados pelos municípios - voltem ao Estado central.
"Este não é um governo indiferente nem surdo às demandas e aspirações dos estudantes e de suas famílias", afirmou esta sexta-feira (17/8) Piñera, cujo governo fez maiores concessões às universidades.
Piñera "deu passos importantes. Está fazendo seu trabalho" em nível universitário, embora "isto não signifique que o sistema de educação chileno tenha ainda gravíssimos defeitos: foram 30 anos de capitalismo selvagem, de total desregulamentação", disse Waissbluth.
Pinochet, que reduziu a menos da metade o aporte público à educação, permitiu em 1981 a criação de universidades, através de sociedades sem fins lucrativos com quase completa liberdade para traçar seus planos acadêmicos.
Mas a maioria burlou a norma, fazendo do ensino um lucrativo negócio. As universidades públicas, enquanto isso, cobram taxas tão altas quanto as particulares porque recebem um aporte público mínimo.
O governo de Piñera aumentou o número de bolsas, propôs a criação de uma entidade para fiscalizar que não se obtenha lucro e reduziu os interesses para os créditos destinados a pagar as tarifas.
Os estudantes anunciaram novos protestos para a última semana de agosto.