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Presidente Mohamed Mursi tenta impor autoridade ao exército egípcio

Cairo - O presidente islamita do Egito, Mohamed Mursi, pode estar em condições de ganhar a arriscada aposta após tirar do governo e colocar na reserva o marechal Hussein Tantawi e anular as amplas prerrogativas do Exército, segundo a imprensa e os analistas.

A imprensa egípcia caracterizou as decisões, anunciadas surpreendetemente no domingo, de "revolucionárias", mas alguns veículos mostravam alguma preocupação ao ver Mursi, da Irmandade Muçulmana, concentrar enormes poderes em suas próprias mãos ao afastar Tantawi, ministro da Defesa e chefe do Exército há 20 anos. "A Irmandade oficialmente no poder", dizia a manchete do jornal independente Al-Watan, enquanto uma publicação semanal ligada a alguns círculos militares, o Al-Usbua, denunciava "a ditadura da Irmandade".

"Mursi põe fim ao Conselho Supremo das Forças Armadas" (CSFA), dirigido pelo marechal Tantanwi, com quem Mursi teve uma difícil convivência na cúpula do poder, afirmava o Al-Shoruq. Para o jornal independente, as medidas constitucionais anunciadas, em particular a que diz que o presidente, que já representa o poder executivo, passa a ter o legislativo, dão a ele "prerrogativas mais importantes do que as que tinha (Hosni) Mubarak", derrubado no ano passado por uma revolução popular.

Mursi acabou com o CSFA, que havia se apropriado do poder legislativo em junho depois de dissolver a Assembleia dominada por islamitas, e limitado consideravelmente o poder do presidente eleito na mesma época. O chefe de Estado também se deu o direito de formar uma nova comissão responsável por redigir a nova Constituição, no caso da interrupção dos trabalhos da comissão atual.

[SAIBAMAIS]Além de aposentar Tantawi, de 76 anos, e o "número dois" do CSFA, o general Sami Anan, Mursi também aposentou os chefes da Marinha, da Aeronáutica e da Defesa Aérea para que ocupassem cargos de destaque no setor público. O chefe da Marinha, o vice-almirante Mohab Mamish, vai liderar o organismo responsável pelo Canal de Suez, uma das principais fontes de receita do país.



Tigre de papel

Alguns comentaristas se surpreenderam com a aparente facilidade com que Mursi se desfez da cúpula da hierarquia militar, quando muitos esperavam uma longa guerra de desgaste entre o presidente e os generais. "Isso demonstra que Tantawi e Anan não eram, na realidade, tão poderosos e que o CSFA era um tigre de papel. Finalmente, afastá-los foi mais fácil do que apagar un cigarro", afirma o analista Ibrahim Eisa, no jornal Al-Tahrir.

Outro membro do CSFA, o general Abdel Fatah al-Sisi, chefe dos serviços secretos militares, aceitou ocupar o posto de ministro de Defesa no lugar do velho marechal, que ficou no cargo durante 20 anos no governo Mubarak. Uma autoridade militar indicou no domingo à noite à agência oficial Mena que as mudanças foram realizadas em coordenação com o Exército "e após consultas com as Forças Armadas", e desmentiu os "rumores de reações negativas" no aparato militar.

Mursi, por sua vez, garantiu que não tem a intenção de "excluir" ninguém, e sim de promover uma "nova geração" com "sangue novo". Também nomeou como vice-presidente Mahmud Meki, um magistrado que se destacou em um protesto dos juízes contra o sistema Mubarak durante as eleições de 2005, ato que pode representar a recuperação da cúpula judicial. Mursi, que tomou posse em 30 de junho, é o primeiro civil que chega à presidência em um país onde todos os chefes de Estado saíram do Exército desde o fim da Monarquia em 1952.

A Irmandade Muçulmana, que o Exército reprimiu por algum tempo e manteve na semiclandestinidade, e com os que também soube dialogar em alguns momentos, é o único rival político de peso no país. Este golpe de autoridade política acontece no momento em que o Egito vive uma grave crise no Sinai, onde 16 guardas da fronteira morreram em 5 de agosto perto da fronteira com Israel e Gaza. O Exército tem realizado desde então uma dura ofensiva contra os "elementos terroristas" presentes na península.

Os eventos também preocupam Israel. Alez Fishman, especialista em questões de defesa do jornal Yediot Aharonot, considera as mudanças "um abalo, perigoso para Israel" e o jornal popular Maariv as vê como "uma limpeza que não mostra nada de bom para Israel". "Acompanhamos muito de perto e com certa preocupação o que está ocorrendo", indicou um responsável governamental que pediu anonimato.