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Co-gestão do Egito e confronto com os militares dividem o novo presidente

Cairo - O novo presidente egípcio Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, goza de uma legitimidade eleitoral sem precedentes para governar, mas a tarefa será difícil frente aos militares que guardam muitas alavancas de poder, afirmam os analistas.

Esta situação pode levar a períodos alternados de tensão e de compromisso entre a Irmandade, que espera afrouxar o poder dos militares, e os militares, que podem aproveitar de uma falha de Mursi para desacreditar o poder islâmico. "Estamos caminhando para a fase que é, talvez, a mais importante da transição" (que começou com a queda de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011), afirma Khalil al-Anani, especialista em Oriente Médio da Universidade britânica de Durham.

Mursi, que prometeu ser o "presidente de todos os egípcios", é o primeiro civil a entrar no mais alto cargo, em um país onde todos os presidentes vieram do exército desde a queda da monarquia em 1952. É também o primeiro a beneficiar de uma vitória nas urnas, depois de décadas de votos por plebiscitos, com resultados conhecidos de antemão. "Mohamed Mursi tem uma legitimidade muito forte, o que lhe permite reivindicar mais poderes para a presidência, e os militares terão de lidar com isso", acredita Khalil al-Anani.

[SAIBAMAIS]"Mas os círculos militares próximos ao antigo regime "devem garantir que a sua presidência não seja nada fácil. Ele terá que ser hábil para lidar com as velhas estruturas" do país, acrescenta. Parte da imprensa egípcia também acredita que o sucesso de Mursi dependerá em grande parte de sua capacidade de abrir o futuro governo para figuras moderadas e laicas, pode ser cristãos, para ampliar seu apoio para enfrentar os generais. Seu adversário originário do regime de Mubarak, Ahmad Shafiq, provou com seus 48,2% dos votos que o sistema antigo ainda possui uma boa base na população.

A presidência que Mursi ocupará será feita longe do poder onipotente de seu antecessor, Hosni Mubarak, e de outros presidentes autocratas. O alto conselho militar que deve passar até o final da semana as chaves do Executivo mantém o poder Legislativo, desde a dissolução em meados de junho da Assembléia Nacional dominada pelos islamitas. Na prática, isso resultará em um veto dos militares em qualquer projeto de lei e orçamento do país. O Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) também conserva o direito de opinar na elaboração da futura Constituição, incluindo o bloqueio, se necessário, de qualquer tentativa de estender a referência a Sharia (lei islâmica) na lei fundamental.



A segurança permanecerá dividida entre o exército, que acaba de ser agraciado com o direito de prender civis, e a polícia, em grande parte ainda dirigida por homens do antigo regime. Mursi não terá, se tiver a intenção, a capacidade de tocar na hierarquia militar, que se autodeclarou única autoridade em todos os assuntos relativos ao exército e suas carreiras. "Os militares estão prontos para receber um presidente islamita, mas eles tomaram precauções", ressalta o analista político Mustafá Kamel al-Sayyed, da Universidade do Cairo. Além do poder Legislativo, "todos os assuntos de segurança nacional permanecem nas mãos do exército. A este respeito, o presidente não pode fazer muito", acrescenta.

Para Gilles Kepel, especialista em islã político na Sciences-Po Paris, "os militares tomaram medidas para fixar a presidência em uma espécie de rede institucional". As relações de poder não impedem, no entanto, uma "lógica de coabitação" entre a Irmandade e o poderoso exército, acrescenta. A Irmandade, através das suas redes de influência, incluindo instituições de caridade locais e sua presença nos sindicatos, e o sistema político-militar "são as duas entidades que co-dirigem na prática o Egito desde que o presidente Anwar Sadat", observa.