Damasco - Os ocidentais e a Rússia exibiram novamente fortes divergências nesta quarta-feira (13/6) em torno da crise na Síria, onde as forças do governo tentam retomar os redutos rebeldes em meio a intensos bombardeios, como em Al-Hafa.
Depois do chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Hervé Ladsous, o ministro francês das Relações Exteriores, Laurent Fabius, considerou que a Síria está em situação de "guerra civil". Mas o governo de Bashar al-Assad e um grupo da oposição recusaram que a situação seja essa.
O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, cujo país é um aliado do poder sírio, acusou os Estados Unidos de fornecer armas a "países da região", durante uma visita ao Irã, outro ferrenho defensor do governo Assad, que enfrenta há 15 meses uma revolta popular reprimida com brutalidade.
"Não entregamos nem à Síria, nem para qualquer outro coisas que sejam utilizadas na luta contra manifestantes pacíficos, ao contrário dos próprios Estados Unidos, que fornecem regularmente aos países da região tais equipamentos especiais", disse.
Lavrov reagiu às afirmações da secretária de Estado, Hillary Clinton, que havia manifestado na terça-feira a preocupação dos Estados Unidos relacionada "ao envio de helicópteros de ataque para a Síria por parte da Rússia".
Hillary voltou à carga nesta quarta-feira pedindo a Moscou que pare de fornecer armas a Damasco, advertindo que a "espiral" de violência mergulhará a Síria em uma "guerra civil". "Nós não concordamos em relação à Síria", ressaltou ela, reafirmando seu compromisso com a cooperação entre os dois países.
Guerra civil ou não
Ocidentais e russos concordam sobre a necessidade de aplicar o plano do emissário internacional Kofi Annan, que estipula um cessar-fogo e um diálogo nacional, mas continua sendo ignorado. Moscou rejeita qualquer ingerência e mudança de regime imposta à Síria, enquanto o ocidente exige a saída de Assad e sanções na ONU.
O ministro francês Fabius também pediu a suspensão "total" das exportações de armas a Damasco e anunciou que seu país vai propor ao Conselho de Segurança que sejam tornadas "obrigatórias" as disposições do plano Annan que tenham "recorrido ao Capítulo 7", que abre a porta para sanções e para o uso da força. Rússia e China se opuseram até o momento a qualquer ação contra o governo sírio na ONU.
Fabius considerou que a Síria está em situação de "guerra civil", afirmando: "Quando de forma maciça grupos pertencentes a um mesmo povo se desgarram e se matam, se isso não é chamado de guerra civil, então o que está ocorrendo é inclassificável", disse Fabius em uma coletiva de imprensa.
Mas o governo sírio afirmou que o Exército luta simplesmente contra o terrorismo, enquanto um grupo opositor sírio, a Comissão Geral da Revolução Síria (CGRS), considerou que a classificação "guerra civil" coloca "em pé de igualdade a vítima e o carrasco".
Nesta quarta, as operações de repressão e os combates entre soldados e rebeldes deixaram 50 mortos, 40 civis e dez soldados, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humnanos (OSDH).
"Descida ao inferno"
As forças do governo acentuaram seus ataques contra várias cidades onde os rebeldes estão entrincheirados, submetendo os guerrilheiros a bombardeios de artilharia pesada, antes de lançar ataques. Após oito dias de bombardeios sem trégua, o Exército tomou o controle de Al-Hafa, em Latakia (noroeste), onde o OSDH falou de um recuo "tático" dos rebeldes do Exército Sírio Livre (composto em sua maioria por desertores), para poupar as vidas de civis.
As autoridades indicaram que havia "levado a segurança a Al-Hafa depois de terem expulsado grupos terroristas armados que cometeram assassinatos e roubos", pediram aos observadores da ONU, impedidos de chegar na véspera por partidários de Assad, que fossem ao local para verificar os fatos.
Mas, segundo um militante em Latakia, após a retirada dos rebeldes, os shabbiha, milicianos pró-regime, saquearam essa localidade. Ainda na província de Latakia, assim como na de Deraa (sul), foram registrados bombardeios, indicou o OSDH. Em Deir Ezzor (leste), o Exército, apoiado por helicópteros, continua a bombardear bairros dominados pelos rebeldes, e unidades enfrentam insurgentes em outros bairros, acrescentou a ONG. Vários setores de Homs (centro) também foram alvos de obuses e palcos de violentos combates.
Desde o início da revolta que o governo se disse determinado a esmagar "não importa a que preço", mais de 14.100 pessoas morreram, em sua maioria civis, segundo o OSDH. A crise síria, que tem profundas repercussões no vizinho Líbano, colocou em risco também a viagem do papa Bento XVI prevista para setembro a esse país. "Uma descida ao inferno começou na Síria", denunciou o núncio da Santa Sé na Síria, Monsenhor Mario Zenari.