Tunis - O governo tunisiano acusou diretamente "grupos extremistas" de serem os responsáveis pela onda de violência que abalou o país na segunda e terça-feira, e lamentou as "provocações" dos artistas, uma acusação rejeitada pelos envolvidos.
"Revoltados" e "consternados". Assim se definiram os artistas da Tunísia nesta quarta-feira, lembrando que, um ano depois de terem sido alvos de extremistas islâmicos, são agora alvos da covardia de um governo que os considera responsáveis pela violência dos últimos dias.
Na terça-feira à noite, o ministro da Cultura, Mehdi Mabrouk, um sociólogo independente muito respeitado, anunciou que iria denunciar os organizadores da exposição que poderia ter sido a origem do conflito. O palácio Abdellia, em La Marsa (subúrbio norte de Túnis), onde os trabalhos foram expostos, está fechado até nova ordem.
"É uma reação covarde, catastrófica e dramática. Fomos abandonados. Não dá para compreender a magnitude dessa decisão", disse, balançando a cabeça, Salima Karoui, do Sindicato dos Artistas Plásticos.
A chamada "Primavera das Artes" parece ser a origem dos confrontos registrados em várias cidades da Tunísia esta semana. Obras como uma pintura de uma mulher de topless com homens barbudos e a de um salafista com raiva, foram consideradas um "atentado contra o sagrado".
"A arte é divertimento, provocação. Mas hoje, quem pensa diferente ou sonha, é suspeito", declarou o cineasta Mohamed Zram.
Cerca de 30 pintores, escultores e cineastas se reuniram nesta quarta-feira em frente à sede do Ministério da Cultura. "Retirar da arte o seu caráter subversivo é matá-la", indicava um dos cartazes levados por eles.
No domingo, um porteiro e um advogado, enviados por alguém ainda desconhecido, entraram no museu de La Marsa para solicitar que as pinturas da exposição fossem retiradas. Horas depois, grupos supostamente salafistas, invadiram o local e rasgaram várias telas. Pouco tempo depois, a situação foi parar nas ruas. Os quadros em questão "poderiam ser chocantes em um primeiro momento, mas não há em nenhum deles ataques ao profeta ou ao Islã ", afirmou uma fonte diplomática.
"Nós nos sentimos ameaçados. Ninguém nos protege", suspirou Nahla Djili, artista, enumerando uma série de ataques sofridos por artistas locais nos últimos meses como uma agressão contra o cineasta Nouri Bouzid, em abril de 2011, os saques ao cinema Africart em julho, ou a agressão contra um professor de teatro em Kef, a oeste de Túnis.
"É uma vergonha que um ministro traia seu povo e coloque no mesmo patamar aqueles que saqueiam e destroem e os artistas que ele chama de provocadores", lamentou o cineasta Karim Belhadj.
Em um comunicado, o Estado condenou os "grupos extremistas que ameaçam as liberdades" e "tentam desestabilizar o governo e semear o terror", referindo-se aos salafistas envolvidos nos incidentes.
Enquanto isso, o chefe do partido islâmico Ennahda, Rached Ghanouchi, negou qualquer ligação com os incidentes desta semana e com o apelo à revolta na Tunísia lançado no domingo pelo líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri.
"Ayman al-Zawahiri não tem influência alguma na Tunísia. Este homem é um desastre para o Islã e para os muçulmanos", disse. Ghanouchi acrescentou que "apenas uma pequena minoria dos salafistas tunisianos defende a violência", mas que ninguém tem "relação com a Al-Qaeda".
Nesta quarta-feira, a calma parecia reinar no país após dois dias de eventos que obrigaram o governo a declarar toque de recolher em oito províncias, incluindo a capital.
Até agora, segundo um registro provisório, um homem foi morto, baleado na cabeça, e uma centena de pessoas ficaram feridas, incluindo 65 policiais.