Montevidéu - O Estado uruguaio assumirá, em ato público, a responsabilidade pelas violações aos direitos humanos cometidas durante a última ditadura (1973-1985), mas não pedirá perdão por elas, anunciaram as autoridades.
A admissão de culpa está de acordo com uma exigência da Corte Interamericana de Dereitos Humanos (Corte-IDH) que, em março de 2011, emitiu uma sentença obrigando o Estado a investigar, julgar os crimes da ditadura, conceder reparações a vítimas e a seus familiares e realizar um ato público no qual reconheça sua responsabilidade no chamado "caso Gelman".
"Houve posições divergentes no país quanto à necessidade ou não de pedir perdão, sem se chegar a um consenso", disse o secretário da Presidência, Alberto Breccia à rádio El Espectador.
O ato será realizado no dia 21 de março, dirigido pelo presidente José Mujica, que pronunciará um discurso na Assembleia Geral para representantes de todos os poderes do Estado, convidados especiais do exterior e organizações de direitos humanos.
"Vou falar em nome do Estado, assumindo a responsabilidade", disse Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro que exerce há dois anos a segunda Presidência de esquerda da história do país.
Segundo Breccia, a jornada cumprirá, em parte, "a sentença da Corte".
María Claudia García, nora do poeta argentino Juan Gelman, foi sequestrada em Buenos Aires em 1976 e levada grávida ao Uruguai; depois de dar à luz uma menina, foi assassinada em Montevidéu.
A filha, Macarena, foi entregue ilegalmente à família de um policial uruguaio, e soube de sua origem só em 2000, mas o corpo de sua mãe nunca foi encontrado. Ambos, Macarena e Juan Gelman, entraram com uma demanda contra o Estado uruguaio na Corte-IDH.
Acatando a sentença, em outubro de 2011, o Parlamento aprovou um projeto de lei declarando que as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura são crimes de lesa-humanidade e, portanto, não prescrevem.
Ao mesmo tempo, em janeiro passado, o governo efetuou o pagamento de uma indenização de mais de 500.000 dólares a Macarena Gelman.
Breccia ressaltou que horas antes do ato, na Assembleia Geral, será realizada "uma cerimônia íntima, sem a presença da imprensa, de colocação de uma placa", respondendo a um pedido da família Gelman.
Em relação a declarações de Mujica, para quem os comandantes das Forças Armadas "teriam que estar presentes" ao ato, o comandante do Exército, general Pedro Aguerre, disse a um jornal local que está disposto a comparecer, se convocado.
"Os que pedem desculpas são os chefes e meus chefes são o presidente da República e o ministro da Defesa", disse o comandante militar.
O presidente do Centro Militar, instituição que reúne oficiais da reserva, Guillermo Cedrez, disse à AFP que não aceita "em nenhuma hipótese que o Exército peça perdão. O Exército é uma instituição do Estado como o são a Força Aérea e a Armada e foram convocadas a atuar (...) Podemos cometer nesse caso algum delito e isso é julgado, como aconteceu".
Cedrez acrescentou que "para fazer uma solicitação deste tipo (...) também deveriam começar a pedir perdão ele (Mujica) e os primeiros terroristas que impuseram a situação ao país", em referência à guerrilha tupamara.
Por sua vez, Macarena Gelman disse a um canal de televisão local que, tendo em vista que "o pedido de perdão é voluntário e individual" e não havendo "nenhum arrependimento dos que cometeram esses horrores", não teria sentido "um ato de perdão".
Dias atrás, familiares do coronel Artigas Alvarez, assassinado no Uruguai em 1972 e irmão do ex-ditador, general Gregorio Álvarez, atualmente na prisão e condenado por crimes contra os direitos humanos, apresentaram a primeira denúncia penal contra ex-guerrilheiros assinalados como autores do crime.
Esta seria a primeira de uma série de denúncias contra ex-guerrilheiros, informaram meios locais.