Damasco - O presidente sírio, Bashar al-Assad, convocou para 26 de fevereiro um referendo sobre um projeto de nova Constituição, que supostamente acabará com meio século de regime monopartidário, apesar de a violenta repressão contra a revolta continuar, principalmente em Homs (centro).
"O sistema político se baseará no princípio do pluralismo político e o poder será exercido democraticamente através de eleições", afirma o texto divulgado pela agência oficial Sana e pela televisão pública.
A Rússia, grande aliada de Damasco, foi a primeira a cumprimentar o regime por essa iniciativa. Esta ideia "é bem-vinda e esperamos que a Constituição seja adotada", declarou o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, que considerou um erro a tentativa dos países ocidentais de isolar Assad.
"Acreditamos, certamente, que uma nova Constituição que vai pôr fim ao domínio de um só partido na Síria é um passo à frente", acrescentou o chanceler russo, que se reunirá na quinta-feira, em Viena, com o chanceler francês, Alain Juppé, para discutir a situação na Síria.
Contudo, o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, chamou a proposta de "risível e uma piada com a revolução síria".
"As promessas de reformas têm sido seguidas de um aumento da violência e jamais foram concretizadas por este regime", acrescentou Carney.
A atual Constituição síria, adotada em 1973, estabelece em seu artigo 8 que o partido Baath, no poder desde 1963, é "o dirigente do Estado e da sociedade".
O novo texto propõe suprimir essa cláusula e acrescenta que "os partidos políticos autorizados contribuirão para a vida política" do país, sendo necessário que sejam proibidos os "partidos com bases religiosas, confessionais ou raciais".
A supressão do artigo 8 da Constituição era uma das reivindicações fundamentais dos opositores no começo do movimento de contestação, em meados de março de 2011, mas agora já exigem a saída de Assad do poder, que tenta sufocar a revolta com uma matança.
O número de mortos não para de aumentar, com pelo menos mais 33 mortes nesta quarta-feira, além de cinco soldados em Sarmin, na província de Idleb (noroeste), atingidos pela explosão de bombas colocadas por desertores, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
Homs, chamada de "capital da revolução", permanece isolada, enquanto os enfrentamentos entre o Exército e desertores continuam.
Segundo a Anistia Internacional, pelo menos 377 civis, entre eles 29 crianças, morreram em Homs desde o começo do cerco à cidade, no dia 3 de fevereiro, e centenas de feridos graves estão presos na cidade.
As forças de segurança, com ajuda de blindados, "atacaram o bairro de Barze", na periferia de Damasco, segundo a organização com sede em Londres.
Neste contexto, a Assembleia Geral da ONU se pronunciará na quinta-feira às 20h00 GMT (18h00 de Brasília) a respeito de um projeto de resolução que condena a repressão do regime, menos de duas semanas depois do veto de China e Rússia a um texto similar no Conselho de Segurança. A aprovação é muito provável, mas suas consequências serão simbólicas.
Segundo diversos analistas, o anúncio do referendo é uma tentativa do regime para acalmar a comunidade internacional, escandalizada com uma violenta repressão que já deixou mais de 6.000 mortes em 11 meses.
Mas Assad, que em abril suspendeu o estado de emergência em vigor desde 1963 - quando seu partido, o Baath, chegou ao poder - fez reiteradas promessas de reforma que não se materializaram desde que o protesto começou no dia 15 de março do ano passado.
"Fazer propostas como esta e realizar um referendo quando os combates causam estragos é, no mínimo, pouco crível", afirmou à AFP o diretor do centro Carnegie para o Oriente Médio, Paul Salem.
Profundamente dividida, a comunidade internacional estuda a proposta de envio à Síria de uma força de paz, feita domingo pela Liga Árabe.
O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, reiterou que a Aliança não tem "absolutamente intenção alguma de intervir na Síria", apesar de comemorar os esforços para a saída da crise e condenar a repressão.
As condenações da repressão acontecem há meses, sem apontar uma saída para o conflito.
Nesta quarta-feira, o chanceler francês, Alain Juppé, propôs que a ONU crie corredores humanitários que "permitam à ONGs chegar às zonas que são palco de massacres". A Turquia pediu também que ONU a convença as autoridades sírias a aceitar a entrada de ajuda humanitária.
O governo britânico e o Vaticano lançaram um chamado conjunto para "um fim imediato da violência na Síria".
A China, outra grande aliada de Damasco, desejou o fim "imediato" da violência e pediu um "diálogo aberto a todos" entre o governo e a oposição.
Apesar de tudo, parte da população síria continua apoiando ao regime. Dezenas de jovens se reuniram na quarta-feira em Damasco em frente à embaixada russa para agradecer a Moscou e Pequim pelo apoio, informou a televisão pública.