Havana ; Quase todos os dias, Teresa Aleje, 55 anos, senta-se em uma pequena praça diante do Malecón, perto do Consulado da Espanha, e desfruta do jantar trazido em uma marmita. A pequena cubana, de pele escura e voz tranquila, traduz um pouco do conformismo de seu povo. ;Eu tenho meu trabalho, não perdi nem ganhei nada com as reformas do presidente Raúl Castro;, afirma ao Correio. ;Eu trabalho desde os 15 anos, nunca me preocupei com o embargo econômico dos Estados Unidos.
Tomo café da manhã, almoço e janto todos os dias;, acrescenta. Para Teresa, a Revolução Cubana está impregnada de significados, e desistir dela é algo fora de cogitação. ;Eu nasci antes do triunfo da revolução. Antes, minha família estava em uma condição ruim. Depois da revolução, meus parentes ganharam casa e escola. A Revolução Cubana me deu o que eu tenho;, admite Teresa. Para ela, o legado de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara foi revestir o povo cubano de ;simplicidade;.
Na direção de um Lada branco emprestado pelo governo, o taxista José Miguel Figueroa, 38, sabe que Havana já não é a mesma. Ele conta que as transformações levadas a cabo pelo governo aqueceram o comércio e permitiram a abertura de empresas, especialmente cafeterias e paladares, como são chamados os restaurantes privados ; um fenômeno até pouco tempo impensável na ilha socialista. ;É um bom caminho. Abre-se um pouco mais a economia, porque estamos um tanto atrasados;, comenta. A autorização para transferências de veículos foi a novidade que mais surpreendeu o motorista. ;Eu pensava que isso nunca poderia acontecer;, admite. A ideologia, porém, parece sobreviver: ao lado do Escritório de Interesses dos Estados Unidos, enormes bandeiras cubanas tremulam apontando a direção de Miami. ;É uma espécie de monumento de resistência ao imperialismo;, resume Figueroa.
Exemplo chinês
Outra evolução importante, segundo o taxista, foi a autorização para que os cubanos se hospedem nos hotéis da ilha, antes quase exclusivos para turistas estrangeiros. Figueroa acredita que a revolução não invalida a abertura. ;Na China, existe abertura ao mundo. Cuba está atrasada em relação ao mundo. Raúl busca essa abertura mantendo a ideologia;, acrescenta. Ele lamenta, no entanto, jamais ter conhecido outro país. Para deixar Cuba, o cidadão precisa de dinheiro e de autorização oficial.
No Malecón, o também taxista Ramon Ramírez, 50 anos, sorri ao lado do carro amarelo lustrado. Ele comprou o Chevy modelo 1952 há quase um ano. ;Fidel (Castro) era melhor. Fidel é nosso líder. Nossas vidas têm evoluído e vêm se modificando;, comenta o homem de chapéu preto e barriga avantajada, ao lado de outro colega. Segundo ele, ;nenhum dinheiro do mundo; compra ;a tranquilidade; do povo cubano. Ramon se referia, principalmente, à sensação de segurança experimentada pela população nas ruas. ;No Brasil há violência, não é?;, questiona.
Apesar das reformas estruturais ; que incluem a demissão de 500 mil trabalhadores estatais, o incentivo à iniciativa privada e a limitação dos mandatos de dirigentes do partido e do Estado a dois períodos de cinco anos ;, as bases da Revolução Cubana parecem intactas. Aliás, a capital respira Fidel e Raúl, em frases gravadas nas paredes, grafites nos muros e nas casas, e palavras de ordem.