O governo argentino luta para sair de uma crise financeira, enfrenta acusações sobre leis dúbias aprovadas pela presidente Cristina Kirchner e ainda precisa lidar com uma espinhosa disputa internacional. Nos últimos meses, a Argentina aumentou a munição na batalha verbal sobre o controle das Malvinas, geladas ilhas ao sul do continente que estão sob domínio britânico há décadas. Desde o fim da guerra pela posse do arquipélago, há quase 30 anos, os argentinos tentam levar o assunto à mesa de negociações, sem sucesso. Agora, com as Malvinas prestes a se tornarem um lucrativo campo de extração de petróleo, a troca de farpas entre os dois países ficou ainda maior. E, segundo analistas ouvidos pelo Correio, o impasse está longe de uma solução.
Prova disso foram as declarações de Cristina Kirchner no primeiro discurso após o fim da licença médica que a afastou do poder por 20 dias. Na quarta-feira à noite, a presidente rebateu as acusações do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que classificou a postura argentina como ;colonialista;. Para o governo de Londres, a tentativa de Buenos Aires de retomar o controle das ilhas fere o princípio da autodeterminação dos povos. Em uma pesquisa recente, os moradores das Malvinas afirmaram que querem continuar como cidadãos do Reino Unido. ;Ninguém está pedindo que eles (os malvinenses) deixem de ser ingleses. Esses argumentos caem por si sós;, disse Cristina. ;Vamos seguir com nossa política de sempre, para que seja cumprida a resolução das Nações Unidas sobre se sentar, dialogar e negociar.;
A mandatária já conseguiu importantes vitórias diplomáticas. Em novembro, os demais países do Mercosul, entre eles o Brasil, aceitaram não receber em seus portos navios com bandeiras das Ilhas Falkland ; o nome inglês do território. ;O apoio que a Argentina obteve foi extraordinário. Tanto o Mercosul como a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) toparam restringir a navegação;, afirma Carlos Vidigal, professor de relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB) e especialista em política argentina. ;Foi a primeira vez que o país conseguiu uma posição sem dualidades por parte dos países sul-americanos;, lembra Juan Recce, diretor do Centro Argentino de Estudos Internacionais. ;Trata-se de um revés que reivindica o poder de Davi frente ao gigante Golias;, exagera.
Príncipe a serviço
O Reino Unido não deixou por menos. O governo autorizou o aumento das atividades militares nas ilhas e, no mês que vem, o príncipe William desembarca por lá para seis semanas de exercícios aeronáuticos na região. Segundo o jornal britânico The Times, o príncipe fez lobby para que o deixassem viajar às Malvinas, nas proximidades do aniversário de 30 anos da guerra entre a Argentina e o Reino Unido pelo controle do território (leia o Para saber mais). ;Isso não é um problema apenas para a Argentina, mas também para todos os países que são signatários de acordos de paz. Trata-se de uma potência militarizando uma região que não deveria ter presença tão ostensiva de forças de segurança;, critica o professor Hector Saint-Pierre, argentino, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Assim como Saint-Pierre, muitos argentinos se sentem afrontados pelo domínio britânico nas Malvinas. Na semana passada, logo após as polêmicas declarações do premiê David Cameron, manifestantes foram para a frente da embaixada britânica em Buenos Aires e demonstraram repúdio à acusação de ;colonialismo;. Eles também pediram a Cristina Kirchner que rompesse as relações diplomáticas com Londres. ;Se há uma coisa em que peronistas, antiperonistas, comunistas e conservadores concordam é sobre o lema ;las Malvinas son argentinas;;, comenta o professor Mark Jones, da Universidade de Houston, especialista em questões latino-americanas. A reivindicação tem apoio de muitos governos de fora da América do Sul, exceto na Europa.
Sem guerra
Assim, é provável que a relação diplomática entre argentinos e britânicos fique cada vez pior. A tensão, no entanto, não deve provocar outra ofensiva armada. Além do risco da perda de vidas ; algo que Cristina Kirchner não está disposta a enfrentar ;, as forças armadas do país vizinho estão praticamente abandonadas. ;O exército está em tal estado de decomposição, em termos funcionais, que seria incapaz de ter algum êxito contra as bem treinadas forças britânicas;, diz o professor Jones. Engessados, os argentinos só têm como escolha continuar fazendo barulho. ;Não existe uma solução próxima para esse problema. Ambos querem a soberania e, em termos históricos, quando há uma disputa assim, a coisa só se resolve por meio da força;, observa o professor da UnB Carlos Vidigal.