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O cientista político Murilo Carvalho comenta o 1º ano da Revolução no Egito

Milhares de egípcios se reuniram ontem na Praça Tahrir, berço do levante popular no Cairo, para marcar um ano da revolta que pôs fim ao regime de mais de três décadas do ditador Hosni Mubarak. Apesar do clima festivo, a capital egípcia foi palco de novos protestos contra a junta militar que governa o país desde a renúncia de Mubarak, em fevereiro passado. Manifestantes exibiam faixas e cartazes com as frases ;abaixo o governo militar; e ;revolução até a vitória, revolução em todas as ruas do Egito;.

Muitos protestaram também contra o líder do Conselho Supremo das Forças Armadas, Hussein Tantawi ; o marechal de campo apoiou o fim da ditadura, mas atuou como ministro da Defesa por mais de 20 anos. Temendo novos confrontos com manifestantes, a junta pediu à população que mantivesse a paz para que ;o espírito do 25 de janeiro, que uniu o povo egípcio, seja preservado;. A repressão a protestos populares deixou cerca de 100 mortos e mais de 2 mil feridos nos últimos seis meses. Ontem, não houve incidentes de violência.

Entre os manifestantes estava o consultor financeiro Ahmed Elashkar, 34 anos. Otimista com o fim do estado de emergência, anunciado por Tantawi na última terça-feira, ele disse que ;a esperança da população está sendo retomada;, mas que a revolução não acabou. ;A junta militar ainda não transferiu o poder e reprimiu as mobilizações neste último ano. Temos um lema: ;Nossa revolta continuará até o triunfo;;, conta o consultor. A lei do estado de emergência limitava as liberdades públicas e determinava a realização de julgamentos em tribunais de exceção.

Segundo Ahmed, a primeira sessão do parlamento após os levantes, realizada na última segunda-feira, traz perspectivas animadoras para o início de uma Constituição democrática, mas não pode ser unilateral. ;Os islamitas, em especial a Irmandade Muçulmana, dominaram a maior parte (47% das cadeiras na Câmara dos Deputados). Devemos escrever a nova Constituição com base na visão de diferentes grupos além dos islamitas ; liberais, cristãos, mulheres, minorias, jovens e velhos. Só aí teremos um país justo e apto a escolher seus governantes;, afirmou.

A visão do egípcio é compartilhada pelo cientista político Murilo Carvalho. ;O momento é oportuno para selar uma democracia;, afirma. O consultor de relações governamentais acredita que seja hora de fazer uma Constituição baseada em um presidente eleito pela maioria. ;Creio que exista hoje no Egito uma tendência para a fixação do presidencialismo;, analisa.

ENTREVISTA MURILO CARVALHO
"Clima de mudança provoca desconfiança"

Em entrevista ao Correio, o cientista político Murilo Carvalho ; diretor da empresa de consultoria de relações governamentais Instituto Brasil Empresarial ; falou sobre o primeiro aniversário do início da revolução que pôs fim ao regime de Hosni Mubarak, data celebrada ontem. Ele não descarta uma guerra ideológica entre os islamistas da Irmandade Muçulmana e os liberais. Para Carvalho, o Egito também assiste a conflitos de interesses entre grupos e partidos políticos.

O que deve ser feito para que uma nova ditadura não seja instaurada?

Para que um nova ditadura não seja instaurada, o atual governo precisa cumprir com o papel de ser transitório e entregar o poder para outro governo democraticamente eleito. Porém, para satisfazer a população e os grupos rivais é preciso também que o país discuta um novo regime, são necessárias uma nova constituição e uma reforma política capaz de criar um consenso entre as diferentes facções.

Anteontem, o Parlamento egípcio realizou a primeira sessão desde o levante popular que pôs fim à ditadura de Mubarak. Os islamistas são maioria. É de se temer uma guerra ideológica entre, por exemplo, a Irmandade Muçulmana e os liberais?

Uma guerra ideológica não está diretamente ligada a um momento de bem-estar de um país, ela pode ocorrer a qualquer momento. Quando se trata de ideologia, questões culturais enraizadas acabam ultrapassando o que é racional, podendo levar a um conflito. Mas acredito também que o Egito vive um momento importante em sua história, pois tem a oportunidade de decretar, de fato, um governo pluralista ; no qual grupos, religiões e partidos políticos distintos possuem direito a voz e voto. Assim, o Egito pode até continuar com a sensação de insegurança no que diz respeito a ideologia de grupos, mas ela certamente será minimizada se seu Parlamento adotar tais medidas.

Que perspectivas enxerga para o Egito em um futuro próximo?

O que provoca essa desconfiança atualmente é o clima de mudança. Não se sabe dizer ao certo que tipo de mudança está por vir. Um sistema parlamentarista, presidencialista e que de fato demonstre os interesses dos grupos, ou uma guerra ideológica, pode criar um interesse maior para um determinado grupo ou partido? O momento é oportuno para selar uma democracia, mas é preciso agir, e rápido, pois o clima de insatisfação favorece um novo conflito e isso atrasaria todo o processo de transição.

Que tipo de governo o senhor acha que será instaurado no Egito?

Existem conflitos de interesses entre grupos e partidos políticos. É complicado dizer qual sistema será instaurado no Egito, mas acredito que existe uma tendência para a fixação de um presidencialismo. No parlamentarismo, existe a figura do primeiro-ministro, indicado pelo partido com o maior número de cadeiras no Legislativo. E, nesse momento, isso pode criar um impasse entre os grupos minoritários e até um novo conflito. Já no presidencialismo, acredito que o país possa administrar melhor a situação, já que o presidente é eleito pelo povo e se mantém no cargo por um mandato pré-estabelecido. Com isso, o povo elegeria seu representante e o mesmo exerceria uma superioridade no que diz respeito ao Parlamento.