Os ataques enviaram uma mensagem à população nigeriana e aos próprios cristãos de que nenhuma religião é bem-vinda, exceto o islamismo. Também representaram uma humilhação ao governo da Nigéria. A data foi escolhida a dedo: o dia de Natal, quando as igrejas cristãs do país fervilham de fiéis. Entre as 8h e as 8h30 (5h e 5h30 em Brasília), um carro-bomba explodiu logo após a missa na Igreja Católica de Santa Teresa, em Madalla ; a 31km da capital, Abuja ;, matando 35 pessoas.
Outros quatro atentados deixaram quatro mortos em Damaturu e ao menos um em Jos. A seita islâmica Boko Haram (veja o quadro) assumiu a autoria e prometeu manter a onda de violência. ;Somos responsáveis por todos os ataques dos últimos dias, inclusive a bomba na igreja de Madalla;, afirmou à agência France-Presse o portra-voz do Boko Haram, Abul Qaqa. ;Continuaremos lançando ataques como esses no norte do país, nos próximos dias;, avisou.
No momento do atentado, Japhet Omojuwa, editor do site AfricanLiberty.org, participava de um culto em uma igreja cristã de Abuja. Soube do massacre por meio do microblog Twitter, ainda durante o ritual. ;Abuja viveu hoje um clima de medo e de preocupação. Os moradores ficaram dentro de suas casas e as ruas estavam vazias;, relatou ao Correio, por meio da internet. Ele culpa o governo do presidente Goodluck Jonathan pela incapacidade em combater o Boko Haram. ;As autoridades não são sinceras, não se importam com o povo e escolheram a omissão;, acrescentou Japhet. Nnana Nwachuku, uma testemunha, contou à agência Reuters como tudo ocorreu. ;A missa tinha acabado e as pessoas saíam da igreja, quando de repente ouvi um barulho alto. Carros estavam em chamas e corpos cobriram todo o local;, lembra.
O segundo ataque ocorreu em Jos, a 206km de Madalla. Testemunhas contaram que jovens lançaram bombas contra a Igreja Montanha de Fogo, de tradição presbiteriana. O segurança do templo ficou ferido e acabou morrendo no hospital. Policiais trocaram tiros com os extremistas, prenderam quatro suspeitos e desarmaram mais quatro explosivos.
Na região nordeste da Nigéria, duas cidades foram abaladas por explosões. Uma bomba detonada em uma igreja de Gadaka teria deixado vários feridos. Em Damaturu, o alvo foi um prédio dos serviços de segurança do Estado de Yobe. O presidente Goodluck Jonathan qualificou a onda de atentados de ;um ato cruel que merece a reprimenda de todos os nigerianos amantes da paz;. ;Esses episódios de violência contra cidadãos inocentes são uma afronta injustificada à nossa segurança coletiva e à nossa liberdade;, declarou o mandatário. ;Os nigerianos devem se manter unidos na condenação a eles;, concluiu.
Há 26 dias, o norte-americano J. Peter Pham, especialista em África do think tank Atlantic Council (em Washington), testemunhou perante o Comitê sobre Segurança Doméstica da Câmara dos Deputados dos EUA e expôs o perigo representado pelo Boko Haram. Por e-mail, ele afirmou ao Correio que a seita islâmica enfrentou uma transformação dramática após 2009, ao unir-se à Al-Qaeda no Magreb Islâmico (Aqim) e ao Al-Shabaab, da Somália. ;Assim como demonstraram seus ataques ao quartel-general da polícia e aos escritórios das Nações Unidas, neste ano, o Boko Haram não apenas adotou, mas ganhou o controle do mais mortífero instrumento do arsenal jihadista: o carro-bomba;, explicou.
Segundo o analista, os atentados de ontem comprovam que o grupo expandiu sua área de atuação. Pham concorda com Japhet e denuncia o fracasso do governo em lidar com os extremistas. ;Houve tentativas desajeitadas, por parte de algumas autoridades nigerianas, de banalizar o Boko Haram, como se ele fosse um problema insignificante e localizado;, afirmou. Como exemplo, o ex-presidente Umaru Musa Yar;Adua realizou uma visita oficial ao Brasil, em 2009, em meio a um sangrento levante do Boko Haram. ;A rebelião atingiu quatro estados, deixou mais de 700 mortos e destruiu vários prédios públicos, incluindo escritórios do governo, delegacias, escolas e igrejas;, concluiu Pham.
A Casa Branca repudiou os ataques e divulgou um comunicado no qual oferece ;condolência sinceras; ao povo nigeriano. ;Nós condenamos essa violência sem sentido e a trágica perda de vidas no dia de Natal;, declarou Jay Carney, porta-voz da Presidência dos Estados Unidos.
Quando a fé cega e assassina
Saiba mais sobre a seita islâmica Boko Haram, um grupo que tem semeado o terror na Nigéria:
Estrutura
Fundado em 2002, o grupo inclui diferentes facções com objetivos diversificados, incluindo aquelas com elos políticos, além de células islamistas linhas-duras que têm recrutado jovens em situação de miséria no norte do país.
Ideologia
Boko Haram , cujo nome significa ;A educação não islâmica é pecado;, luta pela criação de um Estado regido pela sharia (lei islâmica) no norte da Nigéria.
Fundador
Mohammed Yusuf tornou-se uma figura carismática e convenceu jovens a segui-lo, apesar de ele ter conhecimento básico do Corão.
Contingente
Acredita-se que a facção concentre 3 mil estudantes.
Ligações
Há uma intensa especulação de que o Boko Haram criou vínculos com grupos extremistas estrangeiros, como a célula norte-africana da rede terrorista Al-Qaeda e os rebeldes do grupo somali Al-Shebaab.
Vítimas
Mais de 700 pessoas morreram nesses últimos nove anos.