A Casa Rosada ganhou mais duas ferramentas em potencial para a perseguição e o controle dos meios de comunicação independentes. Dois dias depois da invasão policial à sede da empresa de tevê a cabo Cablevisión %u2014 de propriedade do Grupo Clarín %u2014, o Senado argentino aprovou ontem à noite uma lei que habilita o Estado a controlar a produção de papéis de diários. A controversa legislação obteve 41 votos a favor, 26 contra e uma abstenção. A presidente Cristina Fernández de Kirchner deve sancionar a medida nas próximas horas, confirmando uma tendência de seu governo. Após a lei ser promulgada, a companhia estatal Papel Prensa fornecerá papel a todos os jornais do país, a um preço estabelecido pelo Ministério da Economia.
O partido de oposição União Cívica Radical (UCR) expôs ao jornal La Nación sua preocupação. "Estamos contra qualquer monopólio, mas também a favor da liberdade de imprensa", avisou o deputado Eugenio "Nito" Artaza. "Espero que o governo seja prudente sobre como utilizará esta lei", acrescentou. Segundo o La Nación, a Papel Prensa produz 175 mil toneladas de papéis para 440 diários de todo o país. O plano de Cristina Kirchner é que a empresa execute um plano de investimentos a cada triênio, a fim de satisfazer a demanda interna. Em caso de fracasso, o Estado poderia aumentar sua participação acionária na companhia.
Na madrugada de ontem, o Senado já tinha aprovado a lei contra o financiamento ao terrorismo, não menos polêmica. Uma demanda do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), um organismo intergovernamental criado para proteger o sistema financeiro da lavagem de fundos, a legislação é considerada por analistas e pela oposição pouco específica e muito ampla. Além de ser apontada como um arcabouço para impôr maior restrição à liberdade de expressão. "Do jeito que está, a nova lei abre portas à criminalização do protesto social", disse à France-Presse o senador opositor Ernesto Sanz.
Mídia
José Sbatella, chefe da Unidade de Investigações Financeiras (UIF) e porta-voz oficial em defesa da nova legislação, alertou que a medida também é capaz de atingir a mídia. "O que se prevê é a possibilidade de que um grupo de pessoas com grande poder econômico possa organizar uma política para esvaziar as reservas ou aterrorizar a população, levando-a a retirar o dinheiro dos bancos. Os que provocam isso são um núcleo muito reduzido, que logo difunde a situação nos meios (de comunicação)", disse ao jornal Clarín. Sob esse ponto de vista, os jornais argentinos poderiam ser vistos como veículos de disseminação do pavor, forçando manobras especulativas com moeda estrangeira.
"Essa lei antiterrorismo é suficientemente indefinida sobre um tema muito delicado, que é a corrida bancária", explicou ao Correio Facundo Galván, cientista político da Universidad Católica Argentina. Segundo ele, a notícia pode induzir a uma ação coletiva financeira ou de consumo. "Parece-me muito preocupante. A legislação pode funcionar como um condicionante à liberdade de expressão, ao condenar um jornalista ou meio de comunicação por publicar uma informação", admitiu. Galván explica que a lei antiterrorista é demasiadamente ambígua e ampla em sua interpretação.
Ouça o podcast como cientista político Facundo Galván