Foi um dia histórico para a Rússia. Apenas o trabalho impediu que Andrey Mikhalchenko, 25 anos, permanecesse por mais de duas horas em meio à multidão, na Praça Bolotnaya, na capital. No maior protesto desde a Perestroika (o movimento de reestruturação política e econômica que levou à dissolução da União Soviética), dezenas de milhares de pessoas desafiaram o primeiro-ministro Vladimir Putin e exigiram o cancelamento das eleições legislativas de 4 de dezembro vencidas por seu partido, Rússia Unida.
Quando Andrey saiu de casa, às 13h de ontem (7h em Brasília), não imaginava o que encontraria. Na praça, a multidão gritava contra o governo e o Kremlin. ;Putin é um ladrão;, ;Reeleições;, ;Não roubem meu voto; e ;Rússia sem Putin; ressoavam pelas margens do Rio Moscou. Um helicóptero da polícia sobrevoou o local, enquanto 52 mil agentes de segurança estavam a postos para reprimir eventuais distúrbios.
;Foi um ato pacífico. Homens, mulheres e crianças levaram flores e balões, e escutava-se música. Havia o medo de provocação dos nacionalistas, que poderiam disparar contra nós;, relatou Andrey ao Correio, por telefone, pouco depois de retornar de Bolotnaya. ;Foi o maior evento do gênero em duas décadas, desde a criação da Rússia;, acrescentou. De acordo com a polícia, a manifestação reuniu entre 20 mil e 25 mil pessoas. No entanto, líderes da oposição citam o dobro. O funcionário do escritório do Banco Real da Escócia questiona o resultado das eleições. ;Quase todo mundo que eu conheço não votou no Rússia Unida;, diz Andrey.
O Rossiiskaia Gazeta, diário oficial russo, publicou ontem os números finais do pleito. O partido de Putin contará com 238 cadeiras, de um total de 450, na Duma, após obter 49,32% dos votos. A segunda facção mais bem votada foi o Partido Comunista, que fez 92 deputados (19,19% dos votos). Os partidos Rússia Justa (centro-esquerda) e Liberal Democrata (nacionalista) conseguiram, respectivamente, 64 e 56 assentos.
O advogado Elijah Savelyev, um irmão e dois amigos também foram à Praça Bolotnaya. ;Foi a primeira grande concentração popular em mais de 15 anos. E isso mostra que nós, russos, queremos algumas mudanças. O governo já sabe que o povo não permanecerá calado;, desabafou, em entrevista pelo microblog Twitter. Elijah aponta, como principais problemas na política do Kremlin, a corrupção, a fraude eleitoral e o fracasso em cumprir com o dever de proteger os cidadãos.
Fragilidade
Os protestos não se resumiram a Moscou. A agência France-Presse divulgou que 10 mil manifestantes se mobilizaram na Praça Pionerskaya Ploshad, no centro de São Petersburgo ; a segunda maior cidade da Rússia, terra natal de Putin e do presidente, Dmitri Medvedev. Também foram registradas marchas em Barnaul (Sibéria); em Krasnoyarsk, Vladivostok, Chita e Khabarovsk (leste). Lilia Shevtsova, professora de ciência política do Instituto de Assuntos Internacionais do Estado de Moscou e analista do Carnegie Endowment for International Peace, afirmou ao Correio que sociedade virtual russa demonstrou ontem ter se tornado uma sociedade civil. ;A geração jovem e mais dinâmica, e não a parcela mais carente da população das grandes cidades, tomou as ruas;, sublinha. ;Não foi um ato social, mas um protesto político e civil de pessoas que têm o sentimento de dignidade moral. Hoje, elas exigiram novas eleições livres;, acrescenta.
Para a analista russa, a ;agonia do regime de Putin começou;. ;As autoridades creem que as festividades de ano-novo e as férias de janeiro vão acalmar os ânimos. Mas a onda de frustração e ira teve início, e a Rússia dificilmente apoiará Putin durante as eleições presidenciais;, aposta Shevtsova. Ela vê como possíveis cenários para o país o cancelamento do pleito parlamentar, uma situação de emergência ou uma situação na qual parte da população será forçada a votar em Putin. ;Em qualquer caso, o regime perderá a legitimidade e ficará muito frágil;, conclui.