Com 37 votos a favor, quatro contra e seis abstenções, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou ontem uma dura resolução sobre a crise política na Síria ; a mais contundente já apresentada pelo organismo. O texto determina a nomeação de um investigador especial para apurar a repressão por parte do regime de Bashar Al-Assad, pede o afastamento de militares suspeitos dos crimes e ordena a libertação dos presos de consciência.
Durante a reunião de emergência, realizada às 10h em Bruxelas (5h no horário de Brasília), a sul-africana Navi Pillay, alta comissária para Direitos Humanos da ONU, voltou a pedir ao Conselho de Segurança que remeta o caso ao Tribunal Penal Internacional e destacou a execução de 307 crianças, desde março passado. ;A contínua repressão brutal exercida pelas autoridades sírias, se não for interrompida, pode direcionar o país a uma guerra civil plena;, alertou. ;À luz do evidente fracasso das autoridades sírias em proteger seus cidadãos, a comunidade internacional precisa tomar medidas urgentes e efetivas para resguardar o povo sírio;, acrescentou Pillay.
Após citar por várias vezes as conclusões do relatório da Comissão Internacional Independente de Investigação ; liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro (leia a entrevista) ;, a alta comissária avisou: ;Todos os atos de assassinato, tortura e outras formas de violência devem parar imediatamente;. Apesar de inédita, a resolução terá caráter simbólico. China e Rússia, aliadas da Síria, não mudaram sua posição e se opuseram ao texto, sinalizando a tendência em uma eventual votação no Conselho de Segurança da ONU.
Os dois países advertiram os outros 45 Estados-membros contra a intervenção nos assuntos de Damasco. ;Nós gostaríamos de alertar contra a interferência, por forças externas, sob o pretexto de proteger os direitos humanos. Isso terá consequências sérias;, declarou o enviado russo Valery Loshchinin. A chancelaria do Kremlin foi mais transparente e classificou a resolução de ;inaceitável;. Por sua vez, o emissário chinês He Yafei defendeu que as nações ;sigam os princípios da ONU e evitem resolver as diferenças por meio da força;. Na condição de observador, o Brasil não detém poder de voto. Consultado, o Itamaraty afirmou que deseja ver a Liga Árabe como o espaço de mediação e diálogo.
Crianças
Paulo Sérgio Pinheiro afirmou, durante a sessão do conselho, que 56 crianças foram mortas apenas em novembro. ;Foi o mês mais letal;, declarou. Ele disse que sua equipe coletou ;provas sólidas; de tortura e de assassinatos de menores. ;O extremo sofrimento da população, dentro e fora da Síria, deve ser tratado como questão de urgência;, recomendou. À noite, ele enviou um e-mail ao Correio, comentando o resultado do encontro. ;A resolução incorporou várias das recomendações do relatório, como a criação de um relator especial para a Síria.;
Morador de Homs ; a cidade mais afetada ;, Waleed Fares clamou por uma ação rápida. ;O povo sírio está sangrando. Todos os dias, o sangue de 10 ou 20 pessoas é derramado;, lamentou. ;Desejamos que Al-Assad seja julgado em Haia;, acrescentou.
As tropas de Al-Assad prosseguiram ontem com a repressão. Pelo menos 17 pessoas morreram ; 8 em Idlib, 3 em Homs, 2 em Lattakia, 2 em Hama e 2 em Deraa. Em Homs, Baraa Agha, 21 anos, garantiu à reportagem que a cidade já sepultou 82 crianças. ;Eu perdi meu primo, Motasem Bargoth, de 10 anos. Foi assassinado dentro de casa, alvejado por um franco-atirador ao abrir a janela.; Burhan Ghaliun, líder do opositor Conselho Nacional Sírio (CNS), defendeu ajuda aos insurgentes. ;Somente uma ação coletiva da comunidade internacional é capaz de persuadir a máfia síria que está no poder de deixar o país ou ceder. O importante é que a ajuda se torne mais concreta.;
As recomendações da ONU
Durante a reunião especial do Conselho de Direitos Humanos, Farida Shaheed, chefe do Comitê de Coordenação de Procedimentos Especiais, enumerou as demandas para o fim do conflito:
; A violência e a repressão devem parar imediatamente, e os detidos políticos devem ser libertados, em concordância com o Plano de Ação da Liga dos Estados Árabes
; Todas as partes devem se abster da violência
; As pessoas devem ter acesso a necessidades básicas e a recursos médicos Medidas políticas devem ser tomadas para abrir caminho a um processo crível, liderado pelos sírios, de mudança política, social e econômica, que atenda às aspirações democráticas das pessoas e ao cumprimento de seus direitos humanos
; Uma investigação independente, minuciosa e urgente sobre as violações deve ser realizada. Os culpados de graves violações
dos direitos humanos devem ser punidos
; As vítimas e suas famílias deveriam obter retificação e compensação apropriadas.