BUENOS AIRES - A Argentina se afundava, dez anos atrás, na pior crise de sua história, quando o governo de Fernando de la Rúa impôs um bloqueio bancário que entrou para a história com o nome de "corralito", princípio de sua queda em meio a uma rebelião popular e saques que deixaram 33 mortos.
No dia 3 de dezembro de 2001, quase 70 bilhões de dólares em depósitos de poupadores foram congelados nos bancos, pela drástica medida que De la Rúa e seu ministro da economia, Domingo Cavallo,tomaram.
O congelamento dos depósitos foi a reação desesperada dos governantes a uma corrida que provocou, até aquele dia, uma sangria pela retirada de fundos de 22 milhões de dólares em menos de três meses. "Houve um grande processo de recessão, forte déficit fiscal, déficit em contas correntes, da balança de pagamentos, aumento do desemprego, paridade fixa e absurdos programas de ajuste", analisou o ex-ministro argentino da Economia, Roberto Lvagna (2002-2005), ao lembrar a situação da época.
Lavagna se transformou em 2003 no homem apoiado pelo governo do falecido presidente Néstor Kirchner a por fim, a princípio, à bagunça que o governo de Eduardo Duhalde (2002-2003) tinha transformado em "corralón", ou seja, com restrições ainda mais duras aos saques.
O economista logo renegociou a dívida em um calote de mais de 100 bilhões de dólares, a maior moratória da história contemporânea, declarada no dia 24 de dezembro de 2001 por Adolfo Rodríguez Saá, um dos quatro sucessores de De la Rúa em menos de dez dias depois de sua derrubada.
"A rigidez cambial que mistura países de alta produtividade com países que não a tem e cuja evolução em termos de competitividade é muito lenta, sempre termina em crise", comentou Lavgna.
Quando Cavallo autorizou o saque dos caixas de apenas 250 pesos, com uma relação ainda vigente, de dez anos, entre o peso e o dólar de um pra um, provocou a fúria da população.
Milhares de poupadores, ativos ou aposentados, jovens ou adultos, se reuniram indignados em frente às portas dos bancos e quando encontravam as portas fechadas tentavam derrubá-las a golpes de martelo, enquanto faziam barulho com suas panelas.
O "corralito" se transformou em uma bola de neve que não parou de crescer até que, no dia 20 de dezembro, De la Rúa teve que escapar da Casa Rosada ao anoitecer, a bordo de um helicóptero, quando o palácio do governo se mantinha cercada por uma multidão que enfrentava a polícia.
"O ;corralito; foi usado como uma desculpa pelos que queriam liquidar seus passivos (dívidas), para provocar a queda do governo. Deram um golpe institucional para implantar todas as barbaridades desde janeiro de 2002", declarou Cavallo ao jornal Clarín.
Segundo o economista, que recebeu o poder pela primeira vez das mãos do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), a "Argentina não podia fabricar dólares e quem nos estava provendo de dólares e atuando como prestamista de última instância - o FMI - deixou de fazer os desembolsos que estavam combinados".
Cavallo, doutorado pela Universidade de Harvard, disse que "isso foi como se tivessem anunciado que a Argentina ia interromper seus pagamentos. Tudo isso assustou as pessoas".
Entre a noite de 19 de dezembro e a madrugada do dia 20, uma mobilização espontânea de mais de 150 mil pessoas se dirigiu ao edifício do aristocrático Barrio Parque de Buenos Aires onde vivia Cavallo ao som de canções ofensivas. Cavallo renunciou nessa madrugada.
"O ;corralito; foi um pedido que os bancos fizeram ao governo para frear a saída de seus depósitos. Como em tantas outras coisas, o governo cedeu ao pedido do capital financeiro", escreveu Ricardo Aronskind, economista da Universidade Nacional de San Martín no jornal Tiempo Argentino.
Antes da arapuca bancária, De la Rúa vinha recebendo grandes golpes políticos como a renúncia de seu vice, Carlos ;Chacho; Alvarez, por diferenças com a orientação governamental e o escândalo por denúncias de subornos a senadores para votar uma lei de flexibilidade trabalhista.
Este caso será retomado, em breve, em um julgamento, quando De la Rúa e vários de seus ministros se sentarem no banco de réus para responder às acusações de um arrependido, o ex-funcionário Mario Pontaquatro, que disse ser o distribuidor de 4,6 milhões de dólares em subornos.
Uma década depois, a Argentina continua negociando com o Clube de Paris, o pagamento de uma dívida em mora de 6 a 8 bilhões de dólares e centenas de poupadores reivindicam seu dinheiro aos bancos.