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Na 1ª eleição democrática do Egito, Irmandade Muçulmana lidera apuração


Na expectativa de ter uma grande vantagem confirmada nas primeiras eleições livres do Egito, os partidos islâmicos ; especialmente o Liberdade e Justiça ; já alteram a política externa e a dinâmica das relações dos países da região. Semelhante ao que ocorreu na Tunísia, também em transformação impulsionada pela Primavera Árabe, esses partidos foram proibidos de atuar sob o regime autoritário de Hosni Mubarak, mas souberam se organizar e se preparar para saírem fortalecidos em um processo eleitoral democrático. As primeiras mudanças já são percebidas e têm, como consequência imediata, um maior isolamento de Israel. Antes da revolução, o Estado judaico tinha o Egito como principal aliado no mundo árabe.

Adiados duas vezes, os resultados da primeira etapa de votação para a Câmara Baixa (Assembleia do Povo) devem ser divulgados hoje. Prognósticos apontavam que o Liberdade e Justiça, partido criado pela Irmandade Muçulmana, obteria entre 40% e 50% dos votos. O salafista Al-Nur, orientado por uma corrente mais rígida do islã sunita, pode conquistar até cerca de 15%. Caso o resultado se confirme e se repita nas próximas duas etapas do processo eleitoral que segue até janeiro, o novo parlamento egípcio poderá ter maioria absoluta islâmica.

Grande conhecedor e respeitada autoridade no mundo árabe, o embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Neto, descarta a possibilidade de o cenário abrir um precedente para um governo radical islâmico no Egito, mas aponta, em entrevista ao Correio, que a guinada política já produz efeitos na região. O primeiro deles é o isolamento ainda maior de Israel. Em artigo publicado ontem pelo New York Times, o escritor Thomas Friedman destacou que Israel enfrenta o maior desgaste de sua situação estratégica desde sua fundação, e a revolução do Egito é um dos principais elementos para esse cenário.


Criticado por assinar os tratados de paz com Israel no fim da década de 1970, o Egito, sob o governo de Anwar Al-Sadat, passou a ser visto com desconfiança pelo mundo árabe. Ao lado da Jordânia, é o único a reconhecer o Estado hebraico, entre as 22 nações árabes. Com Hosni Mubarak, os laços com Israel e com o Ocidente, principalmente com os Estados Unidos, ficaram ainda mais estreitos. ;Desde a revolução em janeiro, o cenário (no Egito) mudou completamente;, afirma Melantonio.

Confiança retomada
O embaixador destaca a questão da Palestina como um claro exemplo da transformação. ;Mubarak não dava nenhum tipo de ajuda aos palestinos de Gaza. Ao contrário, a passagem com Gaza era mantida fechada e ele até bombardeava os túneis;, lembra, se referindo à fronteira entre o Egito e o território palestino da Faixa de Gaza ; sob o bloqueio de Israel desde que o movimento fundamentalista islâmico Hamas assumiu o poder após as eleições na região, em 2006 . Depois da queda do presidente egípcio, em 11 de fevereiro, a passagem com Gaza foi reaberta.

Outra prova da reconquista da credibilidade egípcia entre os palestinos foi a mediação de uma reunião entre o Hamas e o partido Fatah, que controla a Cisjordânia. O encontro foi realizado no Cairo, durante a tensa semana que antecedeu a votação no Egito. Mesmo com os distúrbios na Praça Tahrir, o diálogo foi mantido e produziu frutos. Rompidos desde 2007, os líderes palestinos dos dois lados anunciaram ter reduzido suas diferenças e aberto uma ;nova página; nas relações. ;Os egípcios recuperaram a centralidade nas negociações entre o Hamas e o Fatah;, declarou o embaixador. A aproximação com uma identidade islâmica não significa uma radicalização de um futuro governo ; é o que garantem os partidos com essa tendência. O Liberdade e Justiça tem procurado se afastar de discursos radicais. Segundo o partido, suas bandeiras, assim como a dos salafistas, são o combate à desigualdade social e à corrupção.

Anistia aponta repressão saudita
A organização humanitária Anistia Internacional denunciou ontem o aumento da repressão a dissidentes na Arábia Saudita, monarquia semiabsoluta que até o momento passou incólume às turbulências da Primavera Árabe. Um relatório de 73 páginas acusa o regime saudita de encarcerar centenas de ativistas e intelectuais que se movimentaram a favor de reformas políticas nas províncias petrolíferas do leste do país, onde se concentra a população da minoria religiosa muçulmana xiita.