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Talibã aproveita desemprego, recruta militantes e ressurge como ameaça


;Temos uma vida muito melhor do que há 10 anos, mas já estamos vivendo tempos sombrios, que vão piorar depois que as forças internacionais deixarem meu país.; Morador de Cabul, o médico afegão Najib Barakzai, de 35 anos, fez esse desabafo à reportagem e admitiu que a milícia fundamentalista islâmica Talibã pode tirar proveito do vácuo político e do caos econômico para retomar o poder. ;O governo do presidente Hamid Karzai está se afundando na corrupção; as doações dos países ocidentais beneficiaram as altas autoridades, os poderosos líderes mujahedin e criminosos de guerra;, acrescentou. De acordo com ele, o Talibã tem atraído jovens desempregados para suas fileiras. ;A facção é indiretamente apoiada pelo serviço secreto paquistanês ISI e conta com simpatizantes na polícia e no Exército afegão;, afirmou.

Às 17h08 (hora local) de 7 de outubro de 2001, Cabul foi estremecida pelos primeiros bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Exatamente dois meses depois, o regime que usava a sharia (lei islâmica) para controlar a vida de 28 milhões de afegãos não suportou a invasão das tropas ocidentais. ;Naquela época, os Estados Unidos tinham uma imagem positiva, pois não colonizaram a região e apoiaram a resistência afegã contra a invasão soviética, na década de 1980.

A expectativa era de que os soldados saíssem logo e fornecessem apoio técnico, financeiro e logístico para Karzai;, declarou ao Correio Najibullah Lafraye, chanceler do Afeganistão entre 1992 e 1996, no governo de Burhannudin Rabbani. ;Mas as tropas aumentaram, cometeram várias atrocidades e levaram muitos a se alistar ao Talibã. Por isso, a situação de segurança é muito pior hoje, se comparada com os primeiros meses após o início da Operação Liberdade Duradoura;, emendou.

Nos últimos três meses, os talibãs mataram Ahmed Wali Karzai, irmão de Hamid; o próprio Rabbani; e o prefeito de Kandahar, Ghulam Haidi Hamid. Segundo Lafraie, o assassinato de Burhannudin Rabbani tornou quase impossível qualquer perspectiva de negociação entre Cabul e o Talibã. ;Quem quer que esteja atrás do atentado, sabia do impacto da morte sobre o processo de diálogo e tentou sabotá-lo;, acredita. Um estudo da ONU revela que a violência aumentou 40% nos oito primeiros meses de 2011, em relação ao mesmo período de 2010.

Deterioração

Por telefone, Baryalai Hakimi ; cientista político da Universidade de Cabul e analista do Centro Nacional para Pesquisa Política (NCPR, pela sigla em inglês) ; disse não ter dúvidas de que a segurança piora a cada dia.

;O Talibã está mais poderoso e já realiza operações em vários locais. Karzai e a comunidade internacional precisam negociar;, admitiu. Ele sugere ao presidente o engajamento num processo de conciliação, com a participação das forças opositoras. No entanto, reconhece que o governo federal está em ruínas.

Sem segurança e sem emprego, a população se aproximou da oposição, o que gerou uma divisão no establishment;, comentou Hakimi. A fronteira porosa do Paquistão agrava a instabilidade no vizinho. ;Militantes da rede Al-Qaeda e do Talibã penetraram os vilarejos do Afeganistão, vindos do país ao lado;, garante Barakzai. O médico conta que os talibãs já controlam o sul do país. ;Ninguém se arrisca a pegar a estrada em Cabul até a região.;

Com um custo para os EUA de US$ 444 bilhões e 33.877 mortos ; entre civis, insurgentes, soldados afegãos e estrangeiros ;, a ocupação do Afeganistão teve efeito reverso. Se em 2001 os americanos foram recebidos como libertadores, hoje são vistos como invasores. Ontem, centenas de manifestantes saíram às ruas de Cabul para exigir a retirada das tropas dos EUA, acusando-as de ;massacrar; civis. Também levaram cartazes nos quais sugeriam que Karzai é uma marionete de Washington.

EUA voltam a acusar Paquistão

O presidente Barack Obama acusou o Paquistão de interferir no Afeganistão e alertou que existem conexões entre seus serviços de inteligência e os extremistas. ;Acredito que estão fazendo apostas arriscadas sobre o futuro do Afeganistão e parte dessas apostas é ter conexões com algumas pessoas não recomendáveis, que acham que podem recuperar o poder no Afeganistão depois que as forças de coalizão forem embora", afirmou Obama. ;Tentamos persuadir o Paquistão de que é de seu interesse ter um Afeganistão estável;, acrescentou.