Os chineses usarão seu novíssimo e primeiro porta-aviões para defender os interesses do país mundo afora. A informação, publicada ontem pelo site das Forças Armadas da China, respondeu aos questionamentos dos Estados Unidos quanto ao uso dessa máquina de guerra. Na última quarta-feira, Washington expressou sua preocupação, enquanto a embarcação iniciava os primeiros testes em alto-mar. Para o governo de Barack Obama, a potência econômica global do Oriente começa a dar passos cada vez mais longos. O Império do Centro ; nome que os chineses dão ao seu país em mandarim ; segue caminho semelhante ao percorrido pelos EUA, no processo de afirmação de sua influência mundial. Pequim, assim, indica que aprendeu com o Tio Sam que ;discussões; podem ser evitadas quando se tem um bom porrete à mão.
;Construímos um porta-aviões para defender, de forma mais eficaz, os direitos e os interesses da China. Estaremos mais seguros e mais determinados para defender nossa integridade territorial;, escreveu Guo Jianyue, jornalista do Diário do Exército Popular de Libertação. De acordo com informações do site jz.chinamail.com.cn, Guo ainda questionou: ;Por que construímos (o porta-aviões) se não temos o valor nem a vontade de utilizá-lo em caso de conflito territorial?;.
Efetivamente, a China tem divergências com o Japão e com as Filipinas a respeito de seus domínios oceânicos. Além disso, se vê ameaçada pelas bases navais dos Estados Unidos no Japão e na Coreia do Sul. Também exige que a ilha de Taiwan deixe de ser independente. Mas a negativa dos taiuaneses encontra respaldo em alianças navais militares garantidas por Washington. Por isso, o texto de Guo e a construção do porta-aviões indicam que os chineses pretendem mexer significativamente no tabuleiro estratégico. Querem igualmente avisar a indianos e a tailandeses que estes deixaram de ser os únicos na região a contar com aquela arma.
Equivoca-se quem considera que o texto é de fonte não qualificada. Ainda que o jornalista não integre o Estado-Maior do presidente Hu Jintao, ele sabe o que escreve. As suas palavras nunca teriam sido conhecidas se não corroborassem o que pensam os generais chineses que comandam o maior exército do planeta, estimado em 2,3 milhões de soldados. O Pentágono também questionou o silêncio chinês quanto à construção do porta-aviões. ;A China não é tão transparente como os Estados Unidos no que diz respeito a suas compras militares ou a seu orçamento militar;, emendou a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland.
Segredo
De fato, o país asiático foi extremamente discreto no projeto que consumiu anos de esforços e investimentos, realizado quase totalmente com tecnologia chinesa. Tudo começou em 1985, quando os chineses compraram um obsoleto porta-aviões britânico. O Melbourne foi estudado e logo transformado em sucata porque a China concluiu que era muito defasado.
Depois, em 1988, adquiriram o russo Minsk. Este navio tampouco trouxe grandes informações e, atualmente, funciona como um cassino em Macau. Mas, quase na mesma época da negociação do barco da antiga União Soviética, os chineses compraram o Varyag. Era o casco de um porta-aviões projetado para o antigo rival dos Estados Unidos que não chegou a navegar. Treze anos após se dizer que viraria hotel, o Varyag foi recuperado e equipado com tecnologia ;made in China;. O recheio bélico é uma informação mantida a sete chaves. Mas pôde juntar a China aos outros nove países do planeta que têm essa fortaleza: Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Reino Unido, Itália, Tailândia e Rússia.
Brasil emprestou know-how
Uma fonte do Ministério da Defesa do Brasil confirmou ao Correio que os chineses receberam um pouco do conhecimento brasileiro em porta-aviões. Um oficial da Marinha viajou à China após o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinar um tratado de cooperação com aquele país, em novembro de 2009. Os chineses estavam interessados em entender como se administra o tráfego de aeronaves na pista dos porta-aviões, verdadeiros aeroportos flutuantes.
ENTREVISTA - QIU XIAOQI
"Somos países cuja influência se amplia"
O Brasil tem muito a aproveitar na parceria com a China, desde que amplie seus horizontes para uma maior cooperação em projetos de ciência e tecnologia e de que seja mais rápido para se adaptar às mudanças. A avaliação é do embaixador Qiu Xiaoqi, que está em Brasília desde março de 2009. Em entrevista ao Correio, o diplomata diz que seu país não está interessado apenas em garantir mais um fornecedor de matérias-primas e commodities. Ele lembra que, em quase 40 anos de relações, os países puderam construir uma eficiente associação no desenvolvimento e lançamento de satélites. E que o investimento nas inovações tem muitas oportunidades a oferecer para ambos os lados.
Qual é a importância do Brasil para a China?
As relações diplomáticas entre nossos países têm 37 anos de existência. Em 1993, se estabeleceram parcerias estratégicas, a primeira relação desse tipo entre a China e um país em desenvolvimento. Temos interesses comuns por sermos países em vias de desenvolvimento, emergentes, cujas economias crescem continuamente e cuja influência se amplia em âmbito mundial. Você pode ver que, nos últimos anos, o intercâmbio de visitas de primeiro escalão é cada vez mais frequente.
A China não relegou o Brasil a mero fornecedor de matérias-primas?
Recentemente, participei do início da construção da fábrica de automóveis da Chery em São Paulo, um investimento de US$ 400 milhões. Isso demonstra que, além do comércio bilateral, que temos há muito tempo, queremos incluir mais projetos de alta tecnologia nas relações bilaterais. Não concordo que a China somente exporte produtos com valor agregado ao Brasil e somente importe matérias-primas. Durante a visita da presidente Dilma, em abril, foi assinado um memorando de entendimento para a importação de 35 aviões da Embraer para linhas aéreas regionais.
Em termos práticos, onde é que chineses e brasileiros poderiam andar juntos?
Queremos ampliar nossa cooperação em áreas que consideramos muito mais importantes, como a ciência, a tecnologia, a inovação. Desde o início do governo Dilma Rousseff, foi dada muita importância a essas áreas e à educação. O Brasil já entende que, para ser uma potência mundial, deve ter uma capacidade de inovação à altura. Ultimamente, conversei muito com autoridades brasileiras da área, e concordamos que devemos ampliar a cooperação nesse aspecto. A China tem muitas tecnologias bastante avançadas e gostaríamos de compartilhá-las com o Brasil. Os brasileiros também têm tecnologias muito avançadas.
Por exemplo?
A produção de biocombustíveis. Esse será um terreno em que poderemos trabalhar muito nos próximos anos. Há outros. Na informática e na indústria espacial, a China tem experiência. E há muitos anos temos cooperação na pesquisa e lançamento de satélites. Os dois países concordam que devemos continuar essa cooperação, e isso foi acertado durante a visita da presidente. A China tem muita experiência no desenvolvimento da indústria espacial, e o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que têm essa mesma capacidade.
Além dessas, o senhor vê outras áreas em se possa avançar?
Temos muitas áreas para avançar juntos. Por exemplo: no campo da educação, o Brasil planeja enviar, até 2014, 75 mil jovens para estudar ciência e tecnologia em outros países. A China poderia ser um ponto de chegada para esses estudantes. No turismo, também temos muitas possibilidades de cooperação. A melhora do nível de vida permite a muitos chineses viajarem pelo mundo. Você poderá encontrar muitos turistas chineses nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, consumidores importantes que criam muitas oportunidades de emprego. Por que não fazer o mesmo no Brasil? No esporte, temos visitas recíprocas previstas para estudar oportunidades de cooperação, concretamente na organização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.
O senhor esteve em outros países da América Latina. O Brasil poderia ser um ponto de partida para empresas chinesas oferecerem projetos à região?
Durante a visita da presidente, brasileiros nos informaram que têm projetos muito ambiciosos para um sistema de integração física que possa melhorar muito as condições de transporte entre o Brasil e os vizinhos ; Argentina, Uruguai, Paraguai, ao sul, Guiana, Venezuela e Peru, ao norte, além do Chile. Acho que no futuro poderíamos participar dessa rede. (MM)