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Em Kandahar, província onde uma ideologia do terror foi construída, eles se misturam à população. Em todo o país, permanecem anônimos. Até a hora de atacar. Ghulam Haider Hamidi, prefeito da cidade de mesmo nome, foi morto depois que um deles detonou os explosivos sob o turbante. Outro extremista teria se infiltrado na equipe de segurança de Ahmad Karzai ; irmão do presidente afegão, Hamid Karzai, e chefe provincial ; e o executado com dois tiros. O afegão Mukhtar Ahmad Barna (leia o depoimento), funcionário de uma ONG de Kandahar, admite ao Correio: ;Você só estará a salvo se não tiver negócios com tropas estrangeiras e escritórios do governo;. Ele acredita ter visto vários integrantes da milícia fundamentalista islâmica Talibã, ainda que não possa distingui-los entre a multidão. ;O Afeganistão é uma zona de guerra;, afirma o afegão de 24 anos. Segundo ele, assassinatos são comuns no país. ;Todo mundo está assustado. Podemos ser surpreendidos com bombas ou explosões suicidas.; As execuções de Ghulam e de Ahmad e ataques frequentes dos talibãs indicam que os extremistas se impõem como ameaça à estabilidade regional após a retirada das tropas estrangeiras, em 2014.
Chanceler do Afeganistão entre 1992 e 1996, Najibullah Lafraie acredita que o Talibã triunfa pelo simples fato de resistir à presença militar ocidental. ;A milícia não só sobrevive, como inflige fortes golpes;, reconhece, por e-mail. Ele aponta várias razões para o sucesso dos extremistas, entre elas o ressentimento da população em relação à Otan e aos Estados Unidos, vistos como forças de ocupação. Outros fatores são a resiliência do Talibã e sua capacidade de readaptar suas táticas. ;Não se pode esquecer que o grupo recebe um forte apoio do Paquistão;, conclui Lafraie, hoje cientista político da University of Otago, na Nova Zelândia.
O especialista cita as mortes de Ahmad e de Ghulam como exemplos dessa mudança de estratégia, adotada pelos talibãs dentro da chamada Operação Badr, lançada em 30 de abril passado. ;Os milicianos engajaram-se em atacar alvos de grande importância, por meio da infiltração. Nos últimos meses, cerca de 10 assassinatos seletivos ocorreram, alvejando chefes de polícia, um general e um conselheiro de Karzai;, comenta Lafraie. De acordo com ele, questões políticas e militares põem em xeque a capacidade de Karzai de sobreviver no governo, após a retirada das tropas. As eleições presidenciais estão marcadas para 2014. ;O Exército Nacional do Afeganistão carece de armamentos pesados, de uma força aérea e de capacidade logística;, diz Lafraie. A corrupção galopante coloca em dúvida a disposição dos militares afegãos de arriscarem suas vidas por um governo desonesto.
Contraproducente
Por sua vez, Haroun Mir ; diretor do Centro para Pesquisa e Estudos de Política do Afeganistão (ACRPS), em Cabul ; atribui o recrudescimento da violência ao anúncio da retirada de 33 mil soldados americanos até 2012. Para ele, o presidente dos EUA, Barack Obama, fortaleceu o Talibã, involuntariamente. ;Os talibãs intensificaram os ataques contra as autoridades e as instituições do país para mostrar não apenas que têm sido capazes de resistir ao aumento das tropas americanas, como para provar que conseguem minar o novo Estado afegão;, explica.
Existe uma explicação para Kandahar ser termômetro do poder do Talibã. Os fundamentalistas pretendem enfraquecer a autoridade presidencial na província, por sentirem que o destino do país será decidido ali. E tratam como questão de honra contradizerem os EUA, que declararam vitória na região. Mir entende que a ameaça representada pelo Talibã depende do panorama político. Segundo ele, Karzai mantém-se trôpego no poder e enfrenta uma grande crise de credibilidade perante o Parlamento. ;Existe o temor de que em 2014 o governo afegão fique completamente paralisado e Karzai torne-se irrelevante. Além disso, não temos uma oposição organizada, capaz de desafiar o presidente e oferecer uma alternativa legítima;, admite. Nesse sentido, o cientista político do ACrpS reconhece que o Talibã pode se tornar a única opção a um governo não funcional.
Esperança de ajuda
;Se o atual governo seguir mergulhado em crises profundas, e a oposição política não for capaz de oferecer uma opção legítima, o Talibã terá outra chance para controlar o país. No entanto, estamos esperançosos de que a comunidade internacional ajudará os afegãos a preparar uma transição suave de Karzai para um novo grupo político, que poderia representar os interesses de todos os afegãos;
Haroun Mir,
analista político afegão
Depoimento
;Nossa vida era como a prisão;
; Mukhtar Ahmad Barna
;Durante o regime do Talibã, minha cidade foi a primeira a cair perante os milicianos. Nós, moradores de Kandahar, estávamos felizes porque o Afeganistão era um campo de batalha contra a ocupação russa, que já durava três décadas. Por algum motivo, esperávamos um futuro pacífico e brilhante, que nunca veio. Em uma semana, as escolas foram fechadas e o desemprego aumentou em uma percentagem bastante alta. As pessoas foram forçadas a se alistar ao Talibã para combater a Aliança do Norte, liderada por Ahmad Shah Masood. Foi uma época sombria e selvagem.
Se o Talibã retornar, será uma catástrofe não apenas para o Afeganistão, mas para o mundo. Com a presença dos senhores da guerra e de autoridades corruptas, estou certo de que haverá sangue correndo pelas ruas. A taxa de analfabetismo é muito alta, o que torna fácil uma lavagem cerebral dos jovens. Eu vi um garoto de 14 anos feliz pela oportunidade de cometer um atentado suicida. Se você perguntar a qualquer afegão onde os homens-bomba são treinados, eles lhe dirão sem hesitar: no Paquistão.
As pessoas serão forçadas a fazer coisas que não querem. Não poderemos ouvir música, fazer a barba, cortar o cabelo, assistir a TV. Ninguém está feliz com o aumento de poder do Talibã. A vida era como uma prisão. A dignidade e a humanidade eram humilhadas.;
Mukhtar Ahmad Barna, 24 anos, morador de Kandahar