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Primeiro-ministro respondeu a cerca de 130 perguntas, mas não convenceu

Premiê conservador enfrenta artilharia trabalhista no Parlamento, mas não consegue virar a página das ligações entre seu governo e o jornal que grampeou 4 mil telefones

Em uma sessão tensa e tumultuada na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, respondeu ontem a cerca de 130 perguntas dos parlamentares sobre o escândalo das escutas telefônicas. Mas, segundo a oposição, ele não esclareceu como foi capaz de contratar o como assessor o jornalista Andy Coulson, que antes tinha sido editor no News of the World ; o tabloide que grampeou até 4 mil pessoas ; e chegou a ser preso. Mantendo todo tempo uma postura firme, porém defensiva, o esforço do líder conservador foi para deslocar o foco dos parlamentares das relações entre seu governo e o conglomerado de mídia do magnata Rupert Murdoch. Na avaliação de analistas ouvidos pelo Correio, a rigorosa sabatina não foi suficiente para enfraquecer o chefe de governo, mas deixou sua imagem arranhada.

A audiência com Cameron causou tanto furor entre os parlamentares que por várias vezes o mediador, John Bercow, precisou interferir. Em alguns momentos, os deputados chegaram a vaiar o premiê, criticado principalmente por ter mantido Coulson como seu diretor de comunicação, apesar dos indícios de envolvimento do jornalista com as escutas. O primeiro-ministro lamentou o impacto de sua decisão e afirmou que, ;se soubesse o que sei hoje, não o teria contratado;. E lamentou que ;as decisões não são tomadas em retrospectiva;. A oposição não se convenceu e insistiu na questão. ;O primeiro-ministro tomou uma decisão ruim quando escolheu continuar trabalhando com Coulson;, enfatizou o líder da bancada trabalhista, Ed Miliband.

Na tentativa de desvencilhar-se das acusações, Cameron insistiu que a sociedade quer resolver logo o caso dos grampos para seguir em frente com outras questões importantes. Por várias vezes, mencionou necessidade de dar atenção a problemas como a economia, que, segundo ele mesmo admitiu, está perto de um colapso. Para o diretor do Centro de Políticas Britânicas, Steven Fielding, a estratégia aparente era tirar a atenção do escândalo, mas o Partido Trabalhista empenhou-se para frustrar a manobra de Cameron, indagando sempre sobre a contratação de Coulson. ;A ideia era não deixar que as pessoas sigam em frente e esqueçam o envolvimento do primeiro-ministro;, afirmou Fielding.

A especialista em política britânica Victoria Honeyman, da Universidade de Leeds, ponderou que Miliband deveria ser mais cuidadoso, uma vez que seu partido também tem se envolvido em relações próximas com o império de Murdoch, especialmente os ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown. ;Criticar agora os conservadores pela mesma razão seria facilmente visto como hipocrisia;, afirmou. ;Miliband está tentando de tudo para transformar a contratação de Coulson em uma grande questão de integridade. Mas, honestamente, ele vai precisar de revelações muito mais pesadas do que as atuais para atingir seriamente Cameron.;

Negócio sob suspeita
Outro tema recorrente na sabatina de Cameron foi a negociação prévia para a compra da operadora de TV a cabo BSkyB pelo News Corporation, conglomerado do magnata australiano. A negociação, que caminhava para ser concluída, foi suspensa logo após o fechamento do News of the World, no dia 10, por conta do escândalo. Parlamentares questionaram se o primeiro-ministro não teria quebrado a ética ministerial ao discutir a oferta de Murdoch com executivos da News International (braço britânico do grupo) ; entre eles, a ex-diretora Rebekah Brooks, que se demitiu há uma semana. Cameron não reconheceu o erro, mas tampouco desmentiu que tivesse tratado do tema com os representantes do empresário. ;Nunca tive quaisquer conversas inapropriadas;, respondeu.

A sessão de ontem foi o maior teste político de Cameron, que sentiu os respingos do escândalo desde que a crise dos grampos estourou, há três semanas. Na avaliação dos analistas, porém, ainda é cedo para falar em renúncia. Honeyman alerta que, apesar da proximidade do primeiro-ministro com o círculo íntimo de Murdoch, ele não é culpado de nada até agora. ;Acho que há um pouco de caça às bruxas nessa história toda, mas a posição de Cameron está a salvo até o momento;, considerou. O premiê abreviou sua viagem oficial à África para comparecer à sessão extraordinária do Parlamento, que adiou o início do recesso, marcado inicialmente para ontem.

Arquivo aberto para Hugh Grant

O ator Hugh Grant vai ter acesso às informações da polícia segundo as quais seu telefone foi grampeado por um detetive particular que trabalhava para o News of the World. Um juiz de Londres ordenou à polícia que revele ao galã e a sua companheira, a militante de direitos humanos Jemima Khan, informações sobre mensagens interceptadas pelo detetive particular Glenn Mulcaire, que acabaram publicadas pelo tabloide e por outros veículos da imprensa. Nem Hugh Grant, 50 anos, nem Jemima, 37, estavam presentes à audiência da Alta Corte onde a decisão foi tomada. O processo civil começará em janeiro próximo. Glenn Mulcaire e um ex-jornalista do News of the World, Clive Goodman, foram condenados em 2007 por terem interceptado ou tentado interceptar telefones de personalidades, inclusive de pessoas próximas à família real.