Quando o italiano Amadeo Modigliani pintou a tela Retrato de um homem, 93 anos atrás, não imaginou que o roubo de sua obra ajudaria na captura de um dos criminosos mais procurados do mundo. A busca desesperada por dinheiro para financiar sua fuga levou o líder sérvio-croata Goran Hadzic, de 52 anos, a tentar vender a pintura avaliada em 22 milhões de euros (cerca de US$ 31 milhões) e roubada durante a Guerra da Croácia, entre 1991 e 1995. Ainda que não concluída, a transação chamou a atenção das autoridades sérvias e as levou ao ex-general. ;A tela abriu a Caixa de Pandora;, afirmou o vice-promotor para crimes de guerra Bruno Vekaric. ;A pressão intensificada sobre a família de Hadzic e as constantes buscas em sua casa e nas residências de amigos deram resultados;, comemorou.
O quadro foi encontrado em 30 de dezembro de 2010, durante uma dessas revistas à casa de um conhecido de Hadzic, junto a 50 outras telas. ;Era um sinal de que Hadzic precisava de dinheiro, então seguimos essas pistas;, explicou à agência France-Presse o promotor sérvio Vladimir Vukcevi. De acordo com a rede de tevê RTS, Hadzic estava escondido no monastério ortodoxo do povoado de Krusedol. No entanto, a agência Beta sustentou que a detenção ocorreu perto dali, em meio à floresta.
Hadzic foi responsável por um dos maiores massacres da guerra. Sob seu comando, forças sérvias capturaram 264 não sérvios de um hospital de Vukovar, após três meses de cerco à cidade. Levados a uma fazenda de porcos, eles acabaram torturados, executados e enterrados em uma cova coletiva. Um mês antes, o general ordenou que 50 croatas caminhassem sobre um terreno minado, como forma de garantir a passagem segura dos soldados sérvios. Em 2004, o Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia (TPI), com sede em Haia (Holanda), indiciou Hadzic por 14 acusações, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade ; entre eles, assassinato, tortura, deportação e transferência forçada de croatas e de outros não sérvios. O ex-líder rebelde sérvio-croata esteve foragido por sete anos.
Com o dinheiro arrecadado na venda do quadro, Hadzic provavelmente tentaria abandonar a Sérvia. De acordo com a France-Presse, o ex-general tinha sido informado por partidários que sua prisão era iminente. ;Sua captura traz essa instituição mais próxima do completo sucesso de seu mandato;, declarou O-Gon Kwon, juiz do TPI. ;Eu saúdo o fato de que seremos capazes de nos concentrar na conclusão do mandato sem qualquer fugitivo remanescente;, emendou. Desde 1993, o TPI indiciou 161 pessoas.
Serge Brammertz, promotor da Corte de Haia, celebrou o fim da caçada. ;A transferência da custódia de Hadzic ao TPI é uma notícia há muito aguardada pelas vítimas. Também trata-se de um importante marco na história deste tribunal. Dezoito anos depois de sua criação, podemos dizer agora que nenhum indiciado escapou do processo judicial. Isso abre um precedente de significado permanente, não apenas para este tribunal, como para a Justiça internacional;, disse.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) destacou o caráter psicológico da prisão. De acordo com o secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen, a captura é ;muito bem-vinda;, pois permitirá ;encerrar o capítulo mais doloroso; da história recente da Europa. Durante a guerra, Hadzic se proclamou ;presidente; da ;República Sérvia de Krajina;, que representava aproximadamente um terço do território da Croácia. Sempre fiel ao ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic, ele ;perdeu o cargo; após a dissolução do país que criou, em 1995.
A prisão de Hadzic ocorre dois meses após a detenção de Ratko Mladic, o ex-chefe militar dos sérvios-bósnios preso em 26 de maio em Lazarevo, a 80km de Belgrado. Apesar de ser considerado uma personalidade de segundo plano em comparação com Mladic ; acusado de genocídio na Guerra da Bósnia (1992-1995) ; ou com o ex-chefe político dos sérvios bósnios Radovan Karadzic, Hadzic tem importância política. Com ele atrás das grades, a Sérvia levou à Justiça os 44 acusados exigidos pelo TPI e, agora, reivindica adesão à União Europeia (UE). Belgrado espera obter o estatuto de candidato ao bloco antes do fim do ano. A UE qualificou a prisão de Hadzic de ;passo importante; de Belgrado rumo à entrada no organismo.
Autenticidade em xeque
De acordo com o Registro de Obras Perdidas de Londres, que rastreia telas roubadas ou desaparecidas, quatro retratos de homens feitos pelo italiano Amadeo Modigliani foram furtados. Recentemente, obras do pintor teriam sido comercializadas a valores entre US$ 4 milhões e US$ 10 milhões. No mercado clandestino, no entanto, o vendedor consegue apenas entre 5% e 10% do valor original, segundo Cristopher Marinello, diretor executivo da entidade. Ele não descarta que a tela apreendida no vilarejo de Krusedol seja falsa.