JUBA - O Sudão do Sul se proclamou neste sábado independente oficialmente, separando-se do norte depois de cinco décadas de conflitos que mergulharam o novo país numa miséria da qual espera sair graças a suas ricas reservas de petróleo.
O chefe do Parlamento, James Wanni Igga, anunciou a "declaração de independência do Sudão do Sul" diante de milhares e habitantes eufóricos e pouco depois hasteou a bandeira do novo Estado, o 54; de África.
Em seguida, Salva Kiir prestou juramento neste sábado como primeiro presidente do Sudão do Sul. Kiir assinou a Constituição transitória e comprometeu-se a "favorecer o desenvolvimento e o bem-estar do povo do Sudão do Sul".
Uma multidão em delírio celebrou à meia-noite de sexta-feira para sábado, em Juba, a proclamação da independência.
Ao soar os sinos de meia-noite, uma explosão de alegria comemorou a chegada do primeiro dia de vida do novo Estado. "Somos livres! Somos livres! Adeus ao norte, bem-vinda a felicidade", clamava em meio à multidão Mary Okach.
"Lutamos muitos anos e este é nosso dia, vocês não podem imaginar como me sinto", declarou por sua vez o estudante universitário Andrew Nuer, 27 anos, que viajou do Cairo especialmente para assistir aos festejos da independência.
O ruído era ensurdecedor na capital do novo Estado, cujo céu iluminou-se com fogos de artifício enquanto carros e ônibus repletos de pessoas que percorriam as ruas com bandeiras do Sudão do Sul em suas portas e janelas, enquanto os motoristas buzinavam.
Horas antes da meia-noite, diversos líderes mundiais, entre eles 30 líderes africanos e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chegaram a Juba para as comemorações da independência do novo Estado.
"O povo do Sudão do Sul realizou seu sonho. A ONU e a comunidade internacional continuará do lado do Sudão do Sul", declarou Ban Ki-moon ao chegar ao aeroporto da capital.
O Sudão reconheceu nesta sexta-feira a futura República do Sudão do Sul, apesar de questões-chave ainda precisarem ser resolvidas entre ambos os países, como o estatuto das províncias fronteiriças em disputa.
O presidente americano, Barack Obama, também anunciou que os Estados Unidos reconhecem formalmente a República do Sudão do Sul.
"Num momento em que sudaneses do sul empreendem a dura tarefa de construir seu novo país, os Estados Unidos prometem acompanhá-los enquanto buscarem segurança, desenvolvimento e um governo responsável, que realize suas aspirações e respeite os direitos humanos", acrescentou.
A chancelaria do Brasil saudou a independência do Sudão do Sul e anunciou o estabelecimento de laços diplomáticos com a nova nação.
O primeiro-ministro britânico David Cameron também anunciou o reconhecimento oficial do Reino Unido.
"Nós acolhemos o Sudão do Sul na comunidade de nações e estamos ansiosos para estabelecer laços mais estreitos entre o Reino Unido o Sudão do Sul nos próximos meses e anos vindouros", afirmou Cameron em um texto oficial.
Da mesma forma, o presidente francês Nicolas Sarkozy anunciou o reconhecimento de seu país. "A França reconhece e dá as boas-vindas ao Sudão do Sul na comunidade dos Estados", afirmou a presidência francesa em comunicado.
Além de Ban Ki-moon e vários chefes de Estado africanos, a cerimônia contou com a embaixadora americana ante a ONU, Susan Rice, e Colin Powell, ex-secretário de Estado americano, que teve um papel determinante nas negociações de criação da nova nação.
O presidente sudanês, Omar al Bashir, compareceu como convidado de honra. Ele é alvo de uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur, região do oeste do Sudão, onde continua sendo travada uma guerra civil.
"Respeitamos nossos compromissos em relação ao novo Estado do Sudão do Sul, e vamos ajudá-los em seus primeiros passos, já que desejamos que triunfe. Seu êxito será nosso êxito", declarou Bashir ante milhares de sulistas.
Bashir também pediu paz e relações fraternais entre o Sul e o Norte, depois de várias décadas de conflito.
Na cerimônia também participaram habitantes de Darfur.
"Estamos aqui para felicitar nossos irmãos do Sul por sua independência e dizer a Bashir ;eis o que acontece quando se oprime um povo;", declarou Mohamed Jamus, de Darfur.
Entre 1955, um ano antes da independência da Sudão (até então uma colônia anglo-egípcia), e 2005 os rebeldes sulistas entraram em duas guerras contra Cartum reclamando maior autonomia.
Os conflitos arrasaram a região, deixaram milhões de mortes e provocaram uma desconfiança recíproca entre os dois lados do país.
O acordo de paz firmado em 2005 pelo líder dos rebeldes John Garang -alguns meses antes de sua morte num acidente de helicóptero - e o presidente do Sudão Ali Osman Taha abriu um novo capítulo que possibilitou o referendo sobre a independência, realizado em janeiro deste ano.
Os sulistas optaram quase por unanimidade pela organização de uma eleição sem maiores incidentes e cujos resultados Cartum prometeu respeitar.
A nova nação deve enfrentar grandes desafios, como os confrontos na fronteira que já provocaram 1.800 mortes este ano, um dos indicadores sociais menos desenvolvidos do mundo, negociações sobre a separação de bens e a reestruturação de setores com o Norte.
Segundo fontes próximas das autoridades que participam das negociações, um acordo sobre a reestruturação do setor petrolífero parece pouco provável devido a divergências sobre o estatuto final do disputado território de Abyei.
A tensão aumentou no dia 21 de maio, depois da ocupação pelos nortistas desta região fronteiriça, obrigando a fuga de 117 mil sulistas.
Foi fechado um acordo no dia 20 de junho para desmilitarizar Abyei e para destacar 4.200 soldados etíopes, mas o futuro do território continua incerto.
Algumas semanas após a ocupação de Abyei, Kordofan do Sul, outro território fronteiriço afetado pelas disputas étnicas, foi palco de violentos confrontos entre as forças do nortistas e o braço do norte do SPLM (Movimento Popular de Liberação do Sudão, ex-rebeldes sulistas) que deixaram centenas de mortos.
Na sexta-feira, Bashir ordenou que exército continuasse suas operações até que este território, a única região petrolífera do norte, estivesse "limpo dos rebeldes".
No entanto, muitos sudaneses afirmam que não há o que comemorar, principalmente os islamitas radicais de Cartum e alguns sulistas moradores do norte, que lamentam que a visão de John Garang de um Sudão federal e democrático não tenha se tornado realidade.
Por fim, na véspera da declaração da independência da nova nação, o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu por unanimidade enviar ao Sudão do Sul uma missão de 7.000 soldados, 900 civis e especialistas para contribuir com a construção do país e com a segurança.
A nova missão foi denominada Minus que substitui a Minus, missão anterior da ONU para todo o Sudão, mas que concentrava suas forças principalmente no sul do país.