Brasília ; O gesto não poderia ser mais do que oportuno e politicamente emblemático. Na véspera do bicentenário da independência da Venezuela, o presidente Hugo Chávez contrariou os prognósticos, retornou a Caracas e falou à multidão do Balcão do Povo, no Palácio de Miraflores, às 17h10 de ontem (18h40 em Brasília). ;A revolução está mais viva do que nunca. Eu a sinto, eu a vivo, eu a apalpo;, disse o líder, vestido com a tradicional farda verde-oliva e a boina vermelha. Durante o discurso de 33 minutos, foi interrompido várias vezes pelos milhares de simpatizantes que bradavam ;Uh, ah, Chávez não se vá;.
O mesmo grito proferido quando o mandatário retornou ao mesmo palácio, em 12 de abril de 2002, após sofrer uma tentativa de golpe. Visivelmente emocionado em alguns momentos, Chávez tratou o câncer como uma batalha a ser vencida. ;Esta nova batalha também a ganharemos juntos;, declarou. Acompanhado das filhas, agradeceu mais uma vez o apoio de Cuba e voltou a afirmar que o líder Fidel Castro foi seu ;chefe médico;. ;Viva o povo, viva Cuba, viva Fidel Castro (;) Meu agradecimento pessoal por tanto amor, por tanto apoio, por tantas manifestações. O amor é o maior remédio para a doença. Obrigado por esse banho de amor;, disse, levando muitas pessoas às lágrimas.
O pronunciamento foi pontuado pelo otimismo e pela fé. ;Se a natureza se opõe, lutaremos contra ela e faremos com que ela nos obedeça;, avisou Chávez, parafraseando Simón Bolívar. O presidente revelou que a segunda cirurgia para a retirada do tumor maligno ; ;uma intervenção profunda, de mais de seis horas; ; ocorreu em 20 de junho. Foram várias referências à Virgem Maria, a Jesus Cristo, a Deus e ao Espírito Santo. ;Eu me ponho nas mãos de Deus e, depois, da medicina cubana e mundial, nas mãos de vocês e também em minhas próprias mãos, porque eu lhes juro que nós ganharemos essa batalha;, assegurou, antes de mostrar o crucifixo. Apesar de reconhecer que precisa cuidar ;ao extremo; de seu processo de recuperação, ele afirmou que não poderia acompanhar de longe a celebração do bicentenário da Venezuela, que ocorre hoje. Uma de suas últimas palavras comoveu a multidão: ;O amor com amor se paga;. ;Todo meu amor, toda minha paixão, todo meu agradecimento;, concluiu.
Para Hernán Castillo, professor de ciências sociais da Universidad Simón Bolívar (situada em Caracas), Chávez viu-se forçado a retornar à Venezuela. ;A difícil situação socioeconômica e política pela qual o país passa não permite ao presidente permanecer tanto tempo fora;, justificou, por e-mail. De acordo com ele, o câncer do presidente desviou a atenção da opinião pública venezuelana dos graves problemas que afligem a sociedade. Castillo cita a situação carcerária, a falta de eletricidade, o desabastecimento de produtos, o colapso das indústrias do ferro e do alumínio, a inflação de 30 pontos percentuais, o desemprego, os baixos salários, a corrupção e a censura.
Marketing
Autor de Chávez, Hitler e as ditaduras da direita, o opositor Nelson Carpio Muñoz criticou o regresso do presidente. ;É um show. A popularidade de Chávez está muito baixa para assegurar sua reeleição em 2012 e, por isso, ele recorre a esse ;truque; publicitário;, afirmou ao Correio, pela internet. ;Eu tenho sérias dúvidas de que ele esteja doente. As disputas internas em seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) obrigaram-no a regressar;, acrescentou o advogado, integrante da coalizão Mesa Unida Democrática. Muñoz garante que apenas os militantes da facção celebraram o retorno.
;Sem dúvida, já começaram a fazer um marketing do retorno do ;supremo invencível e eterno comandante;, como o chamam seus seguidores;, disse à reportagem Diego Arría, ex-governador de Caracas, para quem o governo está com os dias contados.
Chávez pisou o solo venezuelano por volta das 3h40 (5h10 em Brasília) de ontem, após 26 dias em Cuba, onde a doença foi diagnosticada. ;Volto ao epicentro de Bolívar, e isso é pura chama, pura vida, é o início do retorno. Estamos muito felizes de estar em casa de novo.; O vice-presidente Elías Jaua anunciou que Chávez fará uma reunião hoje ou amanhã com o gabinete e organizará a equipe de trabalho ;para a nova etapa que se inicia;. Em seu blog, o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda revelou bastidores da viagem.
De acordo com ele, Chávez assistiu ao jogo de futebol entre Venezuela e Brasil, no domingo e, às 20h (hora de Havana), pediu aos médicos que o avaliassem, pois desejava voltar à Venezuela. Os oncologistas aconselharam-no a não fazer gestos bruscos. O ministro das Finanças venezuelano, Alí Rodriguez, convenceu Fidel sobre a necessidade de Chávez ;salvar a revolução;. Dois médicos e enfermeiros cubanos o acompanharam até Caracas.