O engenheiro de sistemas venezuelano Abraham Barrientos, de 39 anos, acredita que seu país conta com um sólido tecido institucional. ;A conjuntura atual nos mostra que o poder não deve nem pode se concentrar nas mãos de uma única pessoa;, afirma ao Correio o morador de Caracas. Também na capital, o biólogo Carlos Rivero Blanco, de 68 anos, percebe que o chavismo está assustado. ;O presidente Hugo Chávez não permitiu que ninguém se acercasse do poder. Por isso, não possui um sucessor;, comenta, pela internet. De acordo com ele, membros do governista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) já começam a competir entre si. ;Adán, irmão de Chávez, tem aparecido reiteradas vezes na TV e a oposição o acusa de querer ser o Raúl de Fidel Castro;, acrescenta Blanco.
Desde 10 de junho, quando foi operado de emergência para retirar um suposto abscesso pélvico em Cuba, o líder esquerdista e comandante da chamada Revolução Bolivariana deixou vaga a cadeira presidencial no Palácio de Miraflores. Com isso, provocou uma onda de boatos, forçou as autoridades a tranquilizarem a população e pôs em xeque a resiliência da governança no país. ;A situação política por aqui é incerta. Não se sabe o que pode ocorrer. Eu creio que o melhor é que o presidente se recupere rapidamente para que tenhamos eleições em 2012;, desabafou a auxiliar de contabilidade Carmen Morán, de 57 anos, moradora de Maracaibo ; a segunda maior cidade da Venezuela, 850km a oeste de Caracas.
Em artigo publicado ontem pelo diário El Universal, o jornalista Nelson Bocaranda escreveu que Chávez perdeu mais de 10kg e ficou bastante deprimido ao receber a notícia de que os resultados da biópsia à qual foi submetido deram positivo. ;O câncer de próstata não exigirá quimioterapia. Com a radioterapia, os médicos poderão controlá-lo. (;) O nível de sobrevivência estaria em 80%;, assegura Bocaranda. O ministro de Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, afirmou à agência France-Presse que Chávez telefona todos os dias para seus assessores e avança na recuperação. ;Não deixa de ligar nenhum dia (;). É um processo de recuperação e há de sarar;, disse. ;O presidente, quando se recuperar, virá, enquanto isso, o governo está nas ruas, estamos trabalhando;, completou. A versão oficial é a de que os médicos retiraram um acúmulo de pus na região baixa do abdome de Chávez. Ramírez negou-se a informar uma data para o retorno do chefe de Estado.
Silêncio suspeito
Para um líder que costuma falar por até seis horas ininterruptas em seus discursos, o afastamento de Chávez é considerado atípico e preocupante por analistas. O mais recente pronunciamento do presidente ocorreu em 12 de junho, quando ele foi à TV estatal Telesur e falou sobre a cirurgia. Na ocasião, disse que era ;sortudo; pelo fato de o abscesso não ser maligno. O historiador e cientista político venezuelano Miguel Tinker-Salas, do Pomona College (na Califórnia), alerta que a ausência de Chávez pode ser contraproducente para os próprios rivais. ;A oposição sabe que isso mudaria o cenário político na Venezuela. Sua suposta unidade se tornaria espuma. Em vez de um candidato único, vários nomes seriam lançados, o que provocaria uma divisão nas forças opositoras;, explica.
Segundo Tinker-Salas, caso o quadro de saúde de Chávez seja gravíssimo e leve à renúncia do presidente, a política venezuelana precisará descobrir como projetar o chavismo sem Chávez, após 12 anos de hegemonia. ;Sem dúvida, teria que haver uma reacomodação dentro do PSUV e da oposição;, acredita. Ele descarta, porém, que a Venezuela volte ao passado, à época anterior à Revolução Bolivariana. ;A Venezuela é outro país, com ou sem Chávez. Os diversos setores que assumiram um protagonismo não deixarão de reclamar seu papel na sociedade;, conclui.
Ouça a entrevista com o cientista política Nicmer Evans ( em espanhol )