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Depois da morte de Bin Laden, Obama enfrenta transição no Afeganistão

Para terminar com a guerra do Afeganistão, Barack Obama precisa seguir o caminho reverso ao trilhado pelos Estados Unidos até agora. Ir do aumento das tropas para a redução do número de militares no país asiático e do combate ao Talibã para a tentativa de diálogo. Dez anos depois do envio das primeiras forças com o objetivo de lutar contra o terrorismo, o conflito tornou-se caro econômica e politicamente. O custo anual do conflito para os cofres americanos é de US$ 113 bilhões, e a maioria da população deseja que os solados voltem para casa. Para iniciar o processo, o presidente americano montou uma nova equipe de segurança, que tem a missão de realizar a tarefa sem colocar a liderança de Obama à prova nem pôr a perder todo o trabalho feito na última década.

Para Michael Greig, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade do Norte do Texas, a transição é mais do que necessária, e o presidente americano deve enfrentar desafios internos e externos para lidar com a questão. ;Ele sofrerá uma pressão ainda maior para acabar com a guerra e trazer as tropas de volta. Mas se ele fizer isso enquanto o governo afegão estiver fraco e corrupto e as forças militares não estiverem preparadas para garantir a segurança, tudo o que já foi construído no país será perdido. Na minha opinião, é importante manter as tropas americanas para que eles tenham força e capacidade suficiente para defender o Afeganistão e lidar com o Talibã;, afirma o especialista americano.

A análise do professor Greig indica que, ao longo dos anos, o objetivo da intervenção militar mudou. A ação é uma herança deixada pelo governo de George W. Bush, lançada depois dos ataques de 11 de Setembro com o principal objetivo de capturar o então líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. No processo, o governo da milícia Talibã, que teria dado apoio às atividades terroristas, foi substituído pelo grupo opositor, a Aliança do Norte. A guerra no país ganhou novas ofensivas para dar estabilidade à região e sobrou para a administração Obama a estruturação das forças de segurança afegãs. ;As forças militares instaladas no Afeganistão em novembro de 2001 tinham o propósito de buscar campos terroristas, mas o regime mudou e a nação foi construída de outra forma. Então, a missão tornou-se outra;, comenta Wayne McCormack, professor de direito internacional da Universidade de Utah.

As tropas devem começar a ser reduzidas no próximo mês. A previsão é de que, por ano, 20 mil soldados retornem aos EUA, a partir de 2012. Em 2014, apenas 25 mil continuarão no Afeganistão. O trabalho de inteligência e diplomacia, no entanto, ainda será longo. Com seu novo conselho de segurança, o presidente americano traça um processo de diálogo com os talibãs e a estruturação da defesa afegã. ;O plano, ou a esperança da Obama, é pressionar o Talibã para que o grupo queira negociar ou que as forças de segurança se tornem fortes o bastante. Enquanto os incidentes permanecerem baixos e algum progresso na guerra seja aparente, Obama e seu time acreditam que isso pode ser sustentado domesticamente;, afirma Bob Jervis, professor de relações internacionais da Universidade de Columbia.

A prioridade do novo time de segurança ; formado pelo secretário de defesa, Leon Panetta; pelo diretor da Agência de Inteligência (CIA), general David Petraeus; e pelo chefe do Estado-Maior, general Martin Dempsey ; é trabalhar na transição da guerra. E a primeira questão será a redução de gastos. O plano é reduzir a verba da guerra do Afeganistão para US$ 107 bilhões no ano que vem. Mesmo assim, em plena crise econômica, o alto orçamento é alvo de críticas. ;Por que os EUA deveriam gastar tanto patrulhando o mundo é um mistério que nós pensávamosmos ter resolvido no Vietnã, mas voltou à tona. Eu não tenho dúvidas de que o futuro das ações militares devem estar coordenadas com forças multinacionais e com a redução dos gastos;, propõe McCormack.

A morte do líder terrorista Osama bin Laden, responsável pelos atentados de 11 de setembro, aumentou a pressão interna para a saída dos Estados Unidos do Afeganistão. Uma pesquisa divulgada pela rede CNN, na semana passada, mostrou que 62% dos americanos se opõem ao conflito e 35% querem a saída parcial dos soldados. Apenas 18% defendem a permanência das tropas.

;Muitos argumentam que, agora que Bin Laden está morto, restam poucas razões para que as tropas permaneçam no país. Essa visão, no entanto, é um erro. Sair do Afeganistão muito cedo pode causar mais instabilidade na região;, opina McCormack. ;Obama, pelo menos, faz menção a uma negociação com o Talibã. Isso deveria ter acontecido desde o início e talvez tenha acontecido em segredo. Eu sempre acreditei que os EUA estariam fora do Afeganistão se o grupo fizesse algumas mudanças;, completa.

Relação tensa
Os governos de Estados Unidos e Afeganistão passaram por momentos de tensão em sua relação nos últimos anos. Os trabalhos em conjunto para a segurança do país, que conta com a ajuda da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e de outros aliados, nem sempre caminham na mesma direção. O governo de Hamid Karzai reclamou diversas vezes das ações unilaterais das tropas de coalizão e do número de mortes de civis. Do outro lado, os americanos pressionam o mandatário afegão para pôr fim à corrupção enraizada na administração do país.

No fim do mês passado, Karzai alertou que as tropas americanas poderiam se tornar uma ;força de ocupação;, caso suas operações continuassem a atingir os civis. Apesar de ter endurecido o discurso, o afegão parece não exercer forte influência no trabalho dos militares, mas garante pontos na política interna. ;Karzai já fez esse tipo de pressão anteriormente e, enquanto as relações com ele são, de fato, tensas, esse último aviso não parece ser tão diferente de outras ocasiões;, afirma Bob Jervis.

A instabilidade do governo no Afeganistão sofre pressão dos Estados Unidos e poder ser essencial para o fim da guerra. Porém, nesse aspecto, a ajuda internacional pode não ser suficiente, segundo McCormack. ;É pouco provável que possamos acabar com a corrupção, um dos grandes problemas do governo, pelo lado de fora. É papel do país lidar com isso. Está nas mãos das diversas etnias e grupos tribais saber como governar para eles mesmos. Os estrangeiros podem ajudar mediando uma solução, mas não podem impor nada;, afirma.

A retirada das tropas internacionais pode causar não apenas problemas de segurança para o país, mas econômicos, segundo um relatório divulgado no Senado americano na quarta-feira passada. Por isso, um planejamento teria que retirar a dependência do governo da ajuda externa. Para Jervis, o Afeganistão precisa ter uma boa estrutura para governar, com diálogo com a oposição talibã e a ajuda dos vizinhos no Oriente Médio. ;É provável que o Paquistão apoie um acordo razoável com o Talibã e Kazai, e os americanos contam com isso. Mas o desenvolvimento no futuro não requer apenas progresso, mas que os afegãos acreditem que esse caminho do diálogo é sustentável e que eles podem sobreviver com isso depois da retirada americana;, conclui.

Violência recorde
O conflito no Afeganistão deixou 368 civis mortos em maio, que se transformou assim no mês mais violento desde 2007, segundo a Missão da Organização das Nações Unidas para o Afeganistão (Unama) ontem. Em maio também foram registrados 593 cidadãos feridos, em acontecimentos vinculados ao conflito no país. Ainda ontem, pelo menos 15 civis morreram após uma bomba explodir na província de Kandahar, no sul do Afeganistão. O incidente ocorreu no distrito de Arghandab e a bomba atingiu o veículo matando, segundo o Ministério do Interior, oito menores, três homens e quatro mulheres.