A Síria parecia ontem a caminho de uma espiral de violência que poderia precipitar o país em uma guerra civil entre os partidários do presidente Hafez Al-Assad e extremista ligados à Irmandade Muçulmana. Após um fim de semana com dezenas de mortes em confrontos das forças de segurança com manifestantes, a televisão estatal anunciou na segunda-feira a morte de 120 policiais, supostamente vítimas de uma emboscada por parte de ;gangues armadas; na cidade de Jisr Al-Shughour, no nordeste. Enquanto ativistas da oposição se apressavam em desmentir qualquer ligação com os ataques, em declarações postadas na internet, o ministro do Interior, Ibrahim Shaar, garantiu que o governo reagirá de maneira ;firme e decisiva;, aumentando o temor de mais derramamento de sangue.
Inicialmente, a agência de notícias oficial Sana informara sobre 28 mortos. O número foi logo revisto para 43, depois 80 e finalmente 120, no intervalo de uma hora ; sem maiores explicações, de acordo com o jornal britânico The Guardian. Veículos da imprensa internacional declararam que não era possível verificar de forma independente o número e a condição em que as mortes ocorreram, já que as autoridades sírias mantêm os jornalistas sob restrições.
Desde a última sexta-feira, Jisr Al-Shughour tem sido palco de repressão impiedosa das forças de segurança contra manifestantes da oposição. Segundo a Anistia Internacional, 43 pessoas foram mortas na cidade apenas no sábado. Algumas participavam do funeral de vítimas dos conflitos do dia anterior. Moradores relataram à agência de notícias France-Presse que franco-atiradores escondidos em telhados de prédios atiraram contra eles.
A matança em Jisr Al-Shughour se somou aos acontecimentos de Hama, na região central do país. Lá, forças de segurança mataram pelo menos 69 pessoas que participavam de um protesto pela morte de crianças durante os conflitos, iniciados em março. Em entrevista ao Correio, pela internet, um ativista morador de Hama, que preferiu se identificar apenas com seu perfil no Facebook, ;Syrians Need Freedom; (;os sírios precisam de liberdade;, em tradução livre), confirmou a matança da sexta-feira, quando mais 500 pessoas teriam sido feridas.
Ele também negou que os responsáveis pelas mortes dos soldados e policiais estejam ligados aos manifestantes. Para ele, os ;grupos armados; que o governo responsabilizou pelas emboscadas contra as forças de segurança teriam recebido ordens diretas do presidente Bashar Al-Assad. ;O regime está mentindo, todos lá mentem, inclusive o ditador e sua família, seus ministros e a própria imprensa, disse o militante. Ele informou que Jisr Al-Shughour estaria cercada pelas Forças Armadas, sem nenhum tipo de comunicação e vetada para jornalistas. ;Apenas Deus está com eles (os moradores);, resumiu.
Em declarações para a imprensa oficial, o ministro das Informações, Adnan Mahmoud, confirmou que unidades do Exército, que até então estiveram fora de Jisr Al-Shughour, ;cumprirão seu dever de restabelecer a segurança;. A posição endossada pelo colega Ibrahim Shaar, que acrescentou que ;a população de Jisr Al-Shughour está pedindo uma intervenção rápida do Exército;.
Um membro da oposição, citado em reportagem da rede de tevê norte-americana CNN, relatou que os confrontos do fim de semana na cidade e em vilas próximas foram protagonizados por apoiadores do grupo islâmico Irmandade Muçulmana contra as forças de segurança sírias. Além das mortes, o ativista, que não foi identificado, afirmou que nove tanques foram destruídos e dois helicópteros, derrubados.
Ele afirmou ainda que as armas teriam sido contrabandeadas pela fronteira da Turquia, a 20km. O ativista sírio demonstrou preocupação de que simpatizantes da Irmandade Muçulmana possam prejudicar a imagem do movimento oposicionista sírio, que se diz pacífico e secular. Grupos pró-direitos humanos afirmam que mais de 1.200 pessoas já morreram desde o início dos protestos.