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População do Paquistão se revolta contra 'agressão' americana

Abbottabad - Cinco dias após o ataque dos Estados Unidos que culminou na morte do líder do grupo terrorista Al-Qaeda, Osama Bin Laden, os paquistaneses mostraram-se indignados com seu exército.

A revolta não é pela incapacidade dos militares de encontrar o chefe da Al-Qaeda, mas pelo fato de terem permitido o que a população chama de uma "agressão" americana em seu próprio território.

Sardar Amir, de 35 anos, dava toda noite um tranquilo passeio por Bilal Town, e passava por um terreno que rodeava uma casa branca de três andares, cercada por altos muros de cimento. Neste bairro tranquilo de Abbottabad, cidade quartel ao pé das montanhas, a duas horas de Islamabad, Sardar pensava desfrutar o raro privilégio de viver em uma cidade na qual não havia chegado a violência que ensanguenta o resto do país.

No domingo passado, ele perdeu essa ilusão. À noite, 79 soldados da tropa de elite americana a bordo de quatro helicópteros tomaram a casa e mataram o homem mais procurado do mundo, um de seus filhos e dois emissários.

Tudo isso aconteceu a menos de dois quilômetros da prestigiada Academia Militar de Kakul, em uma cidade que conta com pelo menos 5 mil soldados e cadetes.

"Estou indignado e revoltado contra o exército, com os serviços secretos e com o governo. De que nos serve afinal ter aqui todos esses acampamentos militares?", indagou. O exército paquistanês demorou mais de uma hora para chegar ao local, dando tempo aos americanos de realizar um ataque relâmpago e desaparecer.

O estudante Yakat Hussei não derrama uma lágrima por Bin Laden, que era aliado dos talibãs paquistaneses, cujos incontáveis atentados suicidas deixaram mais de 4.200 mortos no país em quatro anos. "Contudo, o exército paquistanês deveria tê-lo detido antes", afirmou.

Os Estados Unidos confessaram que realizaram a operação sem nada informar ao Paquistão, para evitar que o assunto vazasse. "Se os americanos vieram e atacaram dentro do nosso território, significa que podem fazer o que quiserem", disse Sardar.

As atenções se voltam, agora, para o Estado-Maior paquistanês, que teria permitido a ação de Washington, uma vez que seus bilhões de dólares de ajuda permitem ao Paquistão manter suas tropas.

A dúvida se instala, inclusive, entre os soldados de base: "Não estávamos a par nem da presença de Bin Laden nem da operação americana", diz um dos soldados, de 25 anos, que pediu para não ser identificado.

Depois de quatro dias de silêncio, o exército fez uma declaração pública na quinta-feira à noite, admitindo não ter conseguido informações sobre o paradeiro de Bin Laden e ameaçando romper sua aliança de cooperação com os Estados Unidos no caso de mais um ataque como esse.

Na tarde de sexta-feira, depois da oração semanal nas mesquitas, o exército foi duramente criticado durante uma manifestação antiamericana de mil pessoas, convocada por um partido religioso conservador. "Saiam de seus escritórios com ar condicionado e deixem de ter medo dos Estados Unidos", disse um dirigente desse partido aos quais ele chamou de "escravos dos Estados Unidos", em referência ao exército paquistanês.