AFP - Apesar de tudo que os opunha, Bento XVI, o sóbrio professor que esteve sempre à sombra do grande comunicador João Paulo II, encarna o mesmo projeto de seu antecessor, que será beatificado no domingo: resistir à decadência da fé. "O Papa alemão contribui para redescobrir a autenticidade da mensagem do Evangelho, depois de um Papa polonês que lhe deu visibilidade", resume um cardeal que pediu o anonimato, poucos dias antes da beatificação de Karol Wojtyla.
Em 1978, treze anos após o adiamento do Concilio Vaticano II e os reinados dos papas italianos Paulo VI e João Paulo I, a Santa Sé recebe um ar novo e fresco com a chegada de Karol Wojtyla, de 58 anos, cujo sorriso encantador não passou despercebido. "Não tenham medo", disse aos católicos este polonês chegado do outro lado da Cortina de Ferro, que conheceu o nazismo e o comunismo.
João Paulo II se converteu rapidamente em um super astro, cuja influência iria para além do mundo cristão, mobilizando multidões em cada uma de suas viagens.
Este Papa, que fez teatro e escreveu poesia, era um Papa encarnado, apaixonado, que brincava, fazia mímica e piadas, cantava, esquiava, expressava a sua raiva, falava com os jovens e fazia gestos emocionantes.
Quando este campeão de Deus morreu em 2005, poucos eram os que conheciam o alemão Joseph Ratzinger, para além de sua função de prefeito intransigente da doutrina da fé, apelidado de "Panzerkardinal".
Após seis anos de pontificado, Bento XVI está longe da popularidade de seu antecessor, mas soube imprimir sua marca, embora com erros que soube reconhecer.
Bento XVI, um intelectual erudito, fez declarações impróprias sobre a relação entre islã e violência e, apesar de si próprio, levantou a excomunhão de um bispo integrista, Richard Williamson, que negava a existência das câmaras de gás nazistas.
Também foi reprovado por ter demorado muito para condenar os sacerdotes pedófilos. Em cada ocasião demonstrou que não era um homem dado aos meios de comunicação.
No entanto, o Papa alemão perpetua a mensagem de João Paulo II, que consiste em propor ao mundo moderno a fé em sua integridade e resistir às críticas multifacetadas e ao desinteresse.
João Paulo II era um homem de intuições e gestos fortes. Joseph Ratzinger - a quem Wojtyla chama de "O Cardeal" com deferência e que o havia impedido de se aposentar - é homem de livros e sermões que prega a "beleza" da mensagem com precisão e clareza. "É um Papa que argumenta o que diz", afirma o vaticanista Sandro Magister, da Rádio Vaticano. "O anúncio (do Evangelho) é a prioridade deste pontificado, seu anúncio sempre é argumentado", acrescenta. "Fé e razão" é uma das chaves que une os dois Papas. Ratzinger assistiu a Wojtyla em suas encíclicas sobre o tema. Razão e ciência devem admitir a dimensão religiosa do Homem. Crentes e não crentes podem se entender com base nos valores fundamentais. E nada é indiferente aos cristãos: dimensão social, cultural e ambiental.
Portadores desta mensagem nova e fundamentalmente conservadora, os dois Papas se uniram através de sua aversão pelo totalitarismo que ambos conheceram em sua juventude. E também por sua visão muito pessimista sobre o "relativismo", a defesa da família e da moral sexual, o respeito à tradição cristã, sem medo da impopularidade nestes temas. Existe, no entanto, uma diferença em relação à instituição.
João Paulo II tinha confiança e era pouco exigente. Bento XVI está mais atento aos desvios. Depois do excesso de emoções e do impulso missionário de Wojtyla, Ratzinger iniciou uma obra tendente a dar coerência à mensagem e a moralizar a Igreja.