Jornal Correio Braziliense

Mundo

Dossiês revelados pelo WikiLeaks mostram sequência de erros em Guantánamo

Novos documentos secretos vazados pelo site WikiLeaks expõem uma radiografia de como opera a polêmica prisão de Guantánamo e de quem são os prisioneiros que já passaram por ela. O material revela que 150 inocentes foram mantidos por anos no centro de detenção e que, entre 2002 e o começo de 2009, os Estados Unidos libertaram 130 considerados de alto risco, sem nenhuma supervisão. Segundo os documentos, a rede terrorista Al-Qaeda chegou a planejar um ataque semelhante aos de 11 de setembro de 2001, tendo como alvo o Aeroporto de Heathrow, o maior de Londres e um dos mais movimentados da Europa.

O cerne do material, repassado a jornais como o americano The New York Times, o espanhol El País e o francês Le Monde, são as fichas de todos os 779 detidos ; chamadas Expedientes de Avaliação de Detidos (DABs, em inglês) ;, redigidos pelo Departamento de Defesa até 2009. Os papéis, assinados pelo comandante de Guantánamo, trazem recomendações sobre a libertação ou não de cada um dos presos, além de históricos pessoais e transcrições resumidas dos interrogatórios. Também revelam a justificativa de cada prisão. A maioria se apoia na ligação dos detidos com a Al-Qaeda.

Cerca de 150 afegãos e paquistaneses que foram levados para Guantánamo eram inocentes, de acordo com os documentos. Eram motoristas, agricultores e até cozinheiros, detidos em áreas de conflito. Um deles é o pastor afegão Sharbat, preso em maio de 2003, perto do local de uma explosão. Embora ele tenha negado envolvimento no atentado ; e apesar de analistas em Guantánamo reconhecerem seu alto conhecimento sobre animais e sua ignorância sobre questões militares simples ;, ele só foi libertado três anos depois.

Por outro lado, 130 dos 172 prisioneiros que já deixaram a base naval são considerados uma grande ameaça para os EUA e seus aliados. Segundo os relatórios, eles foram liberados sem passar por reabilitação ou por supervisão. Os documentos mostram ainda a movimentação do líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, logo após os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, e sua atuação antes de escapar das cavernas de Tora Bora, em novembro de 2001.

O governo americano reagiu classificando como ;lamentável; a atenção dada pela imprensa aos ;documentos obtidos de forma ilegal;. ;Eles contêm informação confidencial sobre detidos atuais e passados de Guantánamo, e condenamos categoricamente o vazamento dessa informação sensível;, afirma um comunicado conjunto dos departamentos de Estado e de Defesa. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que o governo está ;decepcionado; com a decisão dos jornais americanos e europeus de revelar os documentos secretos.

Credibilidade
O próprio WikiLeaks, no entanto, alertou sobre as informações contidas, que podem conter imprecisões. ;Os documentos têm por base o depoimento de testemunhas ; na maioria, companheiros de cárcere ; cujas palavras não são confiáveis, seja porque foram submetidos a tortura, seja porque o fizeram para garantir um melhor tratamento;, diz um texto que acompanha a publicação.

Para o especialista David Nice, da Universidade Estadual de Washington, esse não é o único problema de divulgar informações tão detalhadas sobre os detidos. ;Em alguns casos, o vazamento pode colocar prisioneiros em risco. Aqueles que revelaram informações sobre pessoas envolvidas com terrorismo podem agora ser alvo de outros terroristas. O WikiLeaks deveria ter tido um pouco mais de cuidado, para protegê-los de retaliações;, lembra Nice. ;Por outro lado, as informações sobre o tratamento dado aos prisioneiros é algo que o público deve saber;, pondera.

Conteúdo dos documentos vazados pelo site WikiLeaks

Inocentes
Pelo menos 150 dos 779 prisioneiros que passaram por Guantánamo eram inocentes. Os papéis mostram que eles eram motoristas, fazendeiros e até cozinheiros afegãos e paquistaneses, capturados durante operações de inteligência em zonas de guerra.

Alto Risco
Dos 172 detentos que já deixaram a prisão, 130 eram considerados ;de alto risco; e representam uma ameaça para os Estados Unidos e seus aliados. Foram libertados sem passar por reabilitação ou supervisão.

Aeroporto de Heathrow
A Al-Qaeda chegou a iniciar preparativos para um atentado semelhante aos de 11 de setembro de 2011, tendo como alvo o aeroporto londrino de Heathrow, um dos mais movimentados da Europa.

Paquistão
Os EUA incluíram a principal agência de inteligência do Paquistão, a ISI, na sua lista de grupos terroristas. Segundo os documentos, presos ligados à agência ;dão apoio à Al-Qaeda e ao Talibã, ou se envolveram em ações hostis contra os EUA e as forças da coalizão;.

Bin Laden
Os documentos revelam a movimentação do líder da Al-Qaeda e de seu número dois, Ayman Al-Zawahiri, logo após os ataques nos EUA. Os dois viajaram três meses sem parar pelo Afeganistão, e o líder pediu
US$ 7 mil emprestados a um protetor ao fugir das cavernas de Tora Bora, no leste do país.

Imprecisão
O próprio site que vazou os documentos alertou para a possível imprecisão nos dados sobre os prisioneiros, uma vez que os papéis divulgados trazem a versão dos americanos sobre cada detido.