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O glamour intelectual do pessimismo segundo a Comissão Europeia

O presidente da Comissão Europeia nega que o bloco esteja em crise e sustenta que a região nunca teve tamanha prosperidade contínua

Bruxelas ; Elegante no terno marinho, camiza azul-celeste e gravata bordô, o presidente da Comissao Europeia, José Manuel Durão Barroso, falou a um grupo de 15 jornalistas brasileiros em visita a Bruxelas sobre temas recentes e antigos com desenvoltura, bom humor e muitos gestos. A crise do euro, o acordo Uniao Europeia-Mercosul, as restrições à imigração, a intervenção na Líbia, a oposição radical ao protecionismo e, sobretudo, a fé inabalável na democracia e no futuro do bloco europeu foram alguns dos assuntos tratados. Velho amigo do Brasil (o pai morou no Rio de Janeiro), o português se referiu ao país sem paternalismos, reconhecendo-o como parceiro de peso no cenário internacional.

Crise da Europa
Antes da integração, a história política da Europa se resumia, praticamente, a guerras, guerras e guerras. Há 60 anos, um grupo de seis países resolveu se unir. Hoje, são 27 que formam o mercado integrado mais rico do mundo. A tarefa não foi fácil. Mas o sistema de liberdade e democracia serve de inspiração para outras nações. É o período mais longo de paz e prosperidade vivido pelo continente. ;Os estrangeiros;, brinca, ;não entendem como funciona a coisa. Nós também não entendemos, mas funciona.;

A crise do euro, segundo ele, não é uma crise europeia. É a americana, que se refletiu em certos países (Grécia, Irlanda e Portugal), mas não deve se alastrar para as demais economias (a maior parte dos especialistas acredita que Espanha e Itália são as próximas vítimas). O susto, segundo Durão Barroso, foi pedagógico. Contribuiu para a reestruturação do sistema financeiro e para a concretização de reformas estruturais destinadas a fazerem a União Europeia (UE) ganhar competitividade. A fim de manter as conquistas do estado do bem-estar social, ímpar em praticamente todo o mundo, impôs-se revisar modelos, como o aumento da idade para aposentadoria.

Uma série de outras medidas foram tomadas. Para prevenir crises, mecanismos precisaram ser criados. Entre eles, a autoridade monetária de supervisão bancaria, espécie de FMI europeu. Assim, os momentos difíceis contribuíram para reforçar a governança, ao construir uma base estrutural, não apenas pontual, capaz de se antecipar a possíveis tremores ou tsunamis.

Pessimismo
;Existe certo clima de pessimismo de jornalistas e intelectuais em relação ao futuro do bloco;, afirmou Durão Barroso. ;Os europeus, como os brasileiros, gostam de falar mal da sua terra. É o que chamo de glamour intelectual do pessimismo. O sentimento não encontra sustentação nos fatos. Em poucos lugares do mundo se vive tão bem quanto aqui.; E acrescentou: a taxa de crescimento da Europa é positiva. Alemanha, Suécia, Holanda, Finlândia, Dinamarca e Polônia crescem como nunca. Ninguém pode querer que a UE acompanhe o ritmo da China ou da Índia, países com desafios que os europeus superaram ha muito tempo.

Acordo UE- Mercosul

Em Bruxelas, técnicos e diplomatas envolvidos na retomada de negociações do acordo Mercosul-UE têm mais esperança que certeza de que os entendimentos cheguem a bom termo. Durão Barroso não foge à regra. Sabe que há resistências dos dois lados. Na Europa, elas partem do fortíssimo lobby do setor agrícola ; à frente a Franca, seguida da Irlanda ;, que não aceita concorrência com os produtos sul-americanos. No Mercosul, o maior obstáculo vem do setor industrial argentino, que teme a aceleração do sucateamento do parque produtivo do país. As partes se sentarão à mesa em maio. Só então serão apresentadas as cartas. Com o conhecimento das apostas, começarão as idas e vindas do jogo das concessões que cada bloco se dispõe a fazer. Como a Argentina terá eleições presidenciais em outubro, é possível que os avanços, se ocorrerem, só surjam depois de conhecido o resultado das urnas. Convicto defensor do livre comércio, Barroso acredita que o acordo será benéfico tanto para a UE quanto para o Mercosul, cujos membros ganharão em competitividade e preço. ;No jogo de soma positiva, o comércio traz investimentos e empregos.;

Intervenção na Líbia
França e Alemanha, os dois centros de equilíbrio da UE, estão em campos contrários na questão da intervenção na Líbia. A primeira oposição entre eles ocorreu na votação da ONU. Agora, voltam a discordar na condução da operação militar. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, com apoio de Londres, quer mais agressividade. O governo alemão, que se absteve no Conselho de Segurança, como o Brasil, insiste que as armas não são a resposta para o conflito. A diplomacia europeia tem tido participação discreta em relação ao tema. Mas Barroso defende enfaticamente a ação externa no pais árabe: ;Kadafi perdeu a legitimidade quando mandou disparar contra o próprio povo. A ONU tem o direito e a obrigação de defender a vida dos civis. Sem essa ação, teríamos presenciado um massacre;.

Imigração
A crise do euro, além de enfraquecer governos e empobrecer a população, teve efeito potencializado pelas revoltas e guerras no norte da África. O controle sobre a imigração ilegal volta com força ao debate político na região. O discurso anti-imigrantes rende força à extrema direita francesa. A Itália adotou leis mais severas, que equiparam estrangeiros ilegais a criminosos. Durão Barroso admite a necessidade de regras para evitar correntes de imigrantes ilegais. A Europa precisa de imigração, mas bem gerida.