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Kadafi retoma cidades e Obama teria autorizado operação secreta no front

Bin Jawad, Brega, Ras Lanuf. Em pouco mais de 24 horas, os rebeldes viram importantes cidades conquistadas nos últimos dias serem retomadas pelas tropas do ditador líbio, Muamar Kadafi. Nem mesmo os bombardeios aéreos da coalizão internacional liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) têm sido capazes de neutralizar a artilharia e interromper a contra-ofensiva das forças do regime.

Enquanto os aliados não se entendem sobre um possível fornecimento de armas à insurgência, uma informação divulgada ontem pela agência Reuters pode provocar um debate ético e jurídico sobre o envolvimento do governo norte-americano na guerra. O presidente Barack Obama teria assinado, duas ou três semanas atrás, uma ;decisão presidencial; determinando o apoio secreto à oposição, na tentativa de derrubar o coronel. A medida é a principal diretriz usada para autorizar operações clandestinas realizadas pela Agência Central de Inteligência (CIA).

Caso a notícia se confirme, Obama poderá enfrentar a indisposição do Congresso, de maioria republicana, que não teria sido consultado a respeito. Coincidência ou não, o democrata concedeu uma entrevista à rede de TV NBC, na noite de terça-feira, na qual garantiu que Kadafi ;não detém o controle da maior parte da Líbia neste momento;. E prometeu impor uma ;firme pressão, não apenas militar, mas também por outros meios; para forçar a renúncia do ditador. Ontem, Kadafi sofreu uma baixa política: o chanceler líbio, Moussa Koussa, desembarcou em Londres e anunciou ter renunciado.

A situação no front pode ter mudado nas horas seguintes à entrevista de Obama, depois que as tropas leais ao ditador retomaram ontem o terminal petroleiro de Ras Lanuf e a cidade de Brega, numa rápida progressão rumo ao leste da Líbia ; onde se concentra a maior parte dos insurgentes. Segundo a TV Al-Jazeera, as forças do regime lançaram morteiros e foguetes Grad contra os opositores, expulsando-os de Ras Lanuf. A rádio Voz da Líbia Livre, dos rebeldes, garante que o recuo foi ;tático;. ;Estamos com um grande problema, recuamos;, declarou à agência France-Presse, por sua vez, o combatente Salama Dadida, a bordo de um das centenas de carros que cruzaram Al-Uqaila, 20km a leste de Ras Lanuf, em direção a Brega.

De acordo com o tunisiano Radwan Masmoudi, presidente do Centro para o Estudo do Islã e da Democracia (em Washington), a coalizão reduziu consideravelmente os bombardeios desde segunda-feira, uma estratégia contraproducente. ;Isso permitiu que as brigadas de Kadafi se reagrupassem e atacassem com tanques e mísseis;, explicou ao Correio, por e-mail. ;O perigo é que as forças do regime estão invadindo as cidades e matando civis;, alertou. Masmoudi não condena a decisão presidencial assinada por Obama, nem o possível envio de armas à insurgência. ;Precisamos do apoio dos líbios de todas as maneiras. Eles se levantaram contra Kadafi em protestos pacíficos, mas o ditador reagiu bombardeando as cidades. A comunidade internacional tem a obrigação moral e política de ajudar a defender os líbios, impedindo que os tanques e os mísseis do ditador cometam um massacre;, disse. O especialista lembra que as pistolas e as armas dos rebeldes não são páreo para os tanques de Kadafi. ;A Otan precisa fornecer-lhes armamentos pesados e mísseis.;

O egípcio Emad El-Din Shahin, professor de Conflitos e Pacificação da Universidade de Notre Dame, concorda que as táticas das forças de Trípoli dificultaram as operações da coalizão. ;Os homens de Kadafi se esgueiram pelas cidades, alvejam civis e usam-nos como escudos humanos, o que torna mais complicado lançar ataques aéreos contra o inimigo;, afirmou. Ele culpa a falta de experiência militar dos rebeldes e a escassez de armamentos pela perda de posições no front. ;Armar os insurgentes melhorará sua capacidade de combate, mas pode levar a uma escalada do conflito;, advertiu.

Divisão
Os EUA, a França e o Reino Unido demonstraram estar alinhados na disposição de fornecer armas aos rebeldes. O premiê britânico, David Cameron, disse que Londres não descarta a possibilidade. Na terça-feira, o chanceler francês, Alain Juppé, havia mostrado simpatia com a ideia de uma ajuda militar à insurgência. Itália, Noruega, Bélgica e Dinamarca ; membros da coalizão ;, além da Rússia, se opõem à estratégia. ;O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, declarou que a operação na Líbia foi planejada para proteger a população e não para armá-la. Nisto estamos de acordo;, disse o chanceler russo, Serguei Lavrov.

Otan assume o comando
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou que começou ontem a assumir o comando das operações aéreas na Líbia, substituindo a coalizão dirigida pelos Estados Unidos. Um dirigente da aliança ocidental confirmou à agência France-Presse que a substituição será feita gradualmente. ;Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Grã-Bretanha e Holanda transferiram nesta quarta-feira a totalidade ou parte de seus meios militares, essencialmente aéreos; na zona de operações, afirmou a fonte. Segundo a porta-voz da Otan, Oana Lungescu, ;há aviões da Otan e sob comando da Otan voando no céu líbio;.