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Césio 137, elemento que vaza no Japão, ainda faz vítimas em Goiânia

Autoridades japonesas admitem o vazamento de material radioativo na atmosfera em forma de vapor, devido às explosões na usina nuclear de Fukushima, provocadas pelo terremoto e a tsunami da última sexta-feira. Os níveis de radiação forçaram o Japão a ordenar que 140 mil pessoas se tranquem em casa e evitem contato com ar contaminado. Entre os elementos mais comuns no vazamento de vapor de água do reator japonês estão o iodine 131, o xenon 133, o xenon 135 e o krypton 85 e o césio 137. Este último, o mesmo do acidente ocorrido em Goiânia há 24 anos e que até hoje faz vítimas.

Para se ter uma noção do que pode ocorrer com a explosão da usina nuclear japonesa, o acidente em Goiás, que envolveu a abertura de um desativado aparelho de raios X e uma porção de 19 gramas de césio 137 em pó, matou ao menos 66 pessoas e afetou mais de mil. A lista de contaminados e mortos não para de subir e, provavelmente, nunca será concluída. No mais recente levantamento feito por autoridades estaduais, 929 cidadãos são apontados, oficialmente, como vítimas da tragédia de 13 de setembro de 1987. Sete vezes mais que o divulgado em 1988, quando foram listadas 102 pessoas.

Entre as vítimas há gente que teve contato direto com a substância química, vizinhos do local onde o aparelho de raios X foi aberto, servidores públicos ; médicos, enfermeiros, bombeiros e policiais militares ; e trabalhadores de baixa renda colocados em perigo no trabalho de contenção da radiação, além de crianças nascidas após o acidente, filhos de pais contaminados pelo pó branco de brilho azul. O produto vazou de um equipamento abandonado em um hospital desativado, no centro de Goiânia, e violado por dois catadores de sucata.

Levantamento feito pelo Correio, a partir de dados do Ministério Público de Goiás e dos sindicatos das categorias envolvidas na tragédia, revela que ao menos 40 servidores morreram sem conseguir assistência médica ou financeira do poder público. Outros 170 tentam um auxílio, ainda em vida, brigando na Justiça. Oficialmente, só foram reconhecidas até agora 14 mortes em decorrência da exposição ao césio 137. O número é contestado por associações de vítimas do acidente e por promotores públicos, que apontam 85 casos.

Na época do acidente, técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) examinaram 112 mil pessoas. Aquelas com índices mais elevados de contaminação foram colocadas em quarentena. Das 120 pessoas que sentiram os efeitos da radiação, 49 foram internadas e 21, submetidas a tratamento intensivo. Quatro morreram em menos de quatro meses. Entre elas, a menina Leide Ferreira das Neves, 6 anos, que virou símbolo da tragédia.

Câncer

O médico José Ferreira Silva, diretor técnico da Superintendência Leide das Neves (Suleide), criada para atender as vítimas reconhecidas pelo Estado afirma que o césio 137 tem efeitos devastadores porque a energia liberada por ele se espalha por todo o organismo. "Dependendo do índice de radiação, a pessoa morre em horas ou dias. No contato mais brando, os efeitos também são muito nocivos, pois, com o passar do tempo, os cromossomos são destruídos e a pele da pessoa perde a proteção contra todo tipo de câncer", explica.

Ferreira conta ainda que, no caso de Goiânia, há muitas pessoas atrás de assistência por causa de doenças psicossomáticas, provocadas pelas emoções geradas pelo acidente. "O distúrbio mais comum é a úlcera gástrica", conta. O médico, que começou a trabalhar com as vítimas do césio em fevereiro de 1988, defende o acompanhamento dos moradores das áreas contaminadas que sofrem com as doenças psíquicas. "Infelizmente, elas não se encaixam nos critérios da Suleide", lamenta. Ferreira é o único dos 13 profissionais de saúde da superintendência que estudou física nuclear. Passou um ano em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, estudando as vítima das bombas nucleares jogadas pelos norte-americanos no fim da Segunda Guerra Mundial.

Atualmente, o governo goiano reconhece 863 vítimas do césio vivos, mas apenas 164 têm acompanhamento permanente na Suleide. Do total, 468 recebem pensão do Estado. O presidente da Associação de Vítimas do Césio 137, Odesson Alves Ferreira, reclama de descaso. Lamenta a irregularidade e o sofrimento dos envolvidos. "além do preconceito, enfrentamos as deficiências do Estado. Faltam medicamentos na Suleide. Remédios essenciais para uma vida no mínimo tolerável. A maioria das vítimas não tem condições de comprá-las e acaba numa situação ainda mais terrível", denuncia. Ele é irmão de Devair Alves Ferreira, dono de ferro-velho e comprador da cápsula do césio 137. Odesson parte dos dedos das mãos após uma visita ao terreno onde o irmão morava. Também depende de medicamentos para se manter vivo.

Técnicos da Cnen fazem medições das seis áreas mais contaminadas, a cada três meses. Há césio nos focos. Especialistas dizem que vai demorar 300 anos para eles serem descontaminados. Mas a radiação medida estabilizou há sete anos e a quantidade é inofensiva.

Os filhos do césio 137

Há 24 anos, o mundo testemunhava o segundo maior acidente radioativo da história ; o primeiro ocorreu em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. O desastre foi em Goiânia. Não ocorreu por causa do vazamento de uma usina nuclear. Mas pela proximidade de gente simples com um elemento químico altamente radioativo: o césio 137. O saldo dessa negligência é aterrorizante, mesmo passado tanto tempo desde aquele fatídico 13 de setembro de 1987: pelo menos 66 pessoas morreram e 863 apresentam seqüelas. Todos tiveram contato direto com o material radioativo ou trabalharam na descontaminação. Nenhum recebeu roupas especiais para concluir o serviço em segurança. Assim, sofreram os efeitos diretos da radiação e carregaram resíduos do césio 137 nas roupas, contaminando familiares, amigos e vizinhos. Ainda hoje, esse é o maior desastre radioativo em uma área urbana do planeta.