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Exército tenta forçar esvaziamento da Praça Tahrir e manifestantes resistem

Com o mais recente anúncio do Conselho Supremo das Forças Armadas, feito ontem na rede de TV estatal, os manifestantes egípcios têm praticamente todas as suas demandas atendidas pelo comando militar que assumiu o poder. O Exército afirmou ter dissolvido as duas câmaras do Parlamento eleito em dezembro (sob críticas de fraudes generalizadas) e suspendido a Constituição, as duas exigências mais críticas para a oposição, depois da saída do presidente Hosni Mubarak, que ocorreu na última sexta-feira. No entanto, ainda há pendências, como a libertação dos presos políticos, a suspensão do estado de emergência e o fechamento dos tribunais militares. Por isso, muitos membros da oposição ainda não deixaram a Praça Tahrir, mesmo com a pressão feita pelo Exército, que, segundo manifestantes, chegou a usar cassetetes para forçar a retirada das tendas.

Líderes da oposição programaram a ;Marcha da Vitória; para a próxima sexta-feira ; não só para comemorar os avanços alcançados, mas para continuar pressionando pelo que ainda não foi realizado. Segundo o líder ativista Khaled Abdelkader Ouda, neste dia, também serão anunciados os membros de um conselho formado por civis para negociar com a junta militar. O clima, contudo, não é de hostilidade aos militares.

As Forças Armadas confirmaram a criação de uma comissão para reformar a Carta Magna e declararam que as novas emendas serão definidas por referendo. O período de transição duraria seis meses ; ou até as próximas eleições legislativas e para a presidência, previstas, inicialmente, para setembro. ;Saudamos as Forças Armadas pelos seus esforços para atender às demandas do povo;, disse Ouda, que ainda pediu aos egípcios apoio para que o Exército siga com as mudanças. Para Ayman Nour, um dos líderes oposicionistas que desafiou o
ex-presidente Hosni Mubarak nas eleições presidenciais em 2005, esta foi ;uma vitória da revolução;.

Fora do país, o anúncio do Conselho Supremo também foi recebido positivamente, e sem surpresas. ;Foi uma declaração que está em conformidade com o papel que os militares se propuseram a assumir. Não duvido que eles não terão problemas em entregar o poder assim que houver eleições, mas acredito que isso pode demorar mais do que foi anunciado, já que será preciso tempo para formar os partidos, por exemplo;, avalia Bernard Gwertzman, especialista do Council on Foreign Relations, de Washington.

Pouco antes do anúncio do Conselho Supremo, o primeiro-ministro egípcio, Ahmad Shafiq, concedeu uma entrevista coletiva, na qual afirmou que a segurança é a prioridade daqui para frente. Shafiq lidera um governo nomeado ainda por Mubarak e que, segundo determinação da junta militar, permanecerá administrando os assuntos correntes. A direção do país, porém, fica a cargo do Conselho formado por 20 generais, bem como a representação do Egito no exterior. ;A prioridade desse governo é restaurar a segurança e facilitar a vida cotidiana da população;, disse Shafiq, ex-ministro da Aeronáutica de Mubarak.

Retirada lenta
A capital egípcia tentava voltar ontem à sua rotina no primeiro dia útil após a saída de Mubarak. Apesar de muitos manifestantes resistirem a tirar suas tendas da Praça Tahrir, o tráfego foi liberado parcialmente no local. Os militares tentaram organizar os manifestantes em pequenos grupos para poder abrir espaço nas vias que passam pela praça, e algumas pessoas reclamaram da truculência da polícia do Exército, que estava armada com cassetetes. ;O Exército quer matar a revolução, quer que o povo vá embora;, disse Abu Tasneem, 28 anos, professor de francês em Alexandria, à agência France-Presse. A limpeza das ruas, iniciada no sábado, continuou ontem, com soldados e civis.

No plano internacional, a aparente tranquilidade de EUA e de Israel esconde uma intensa movimentação nos bastidores. Ontem, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, conversou por telefone com o colega egípcio, Aboul Gheit, e os chanceleres Abdullah bin Zayed bin Sultan Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos, e S. M. Krishna, da Índia.

Em entrevista à rede americana ABC veiculada ontem, o ministro israelense da Defesa, Ehud Barak, disse não haver nenhum risco para as relações entre seu país e o Egito, e descartou uma evolução similar à do Irã no seu vizinho do sul. ;Penso que nenhum risco operacional nos aguarda ao dobrar a esquina.; No sábado, o presidente Barack Obama festejou os compromissos assumidos pela junta militar no Egito, e prometeu fornecer todo o apoio solicitado pelo país, inclusive financeiro.

Saques no museu

Um inventário realizado no Museu Egípcio do Cairo revelou que pelo menos oito peças de grande valor, entre elas uma estátua de Tutankamon, foram roubadas do local durante as manifestações pela saída do presidente Hosni Mubarak. O museu foi invadido em 28 de janeiro. ;Entre os objetos roubados estão uma estátua de madeira coberta de ouro do rei da XVIII dinastia Tutankamon sustentado por uma deusa e partes de outra efígie do mesmo faraó;, disse o diretor do Serviço de Antiguidades Egípcias, Zahi Hawas.