Após se reunir com o novo gabinete pela primeira vez, o presidente egípcio, Hosni Mubarak, anunciou medidas para tentar acalmar a população, que ainda ocupa o centro do Cairo pedindo a sua renúncia. Ontem, o governo prometeu conceder um aumento de 15% no salário dos funcionários públicos e investir cerca de US$ 940 milhões para melhorar o valor das aposentadorias. A decisão foi divulgada no dia seguinte ao encontro do vice-presidente, Omar Suleiman, com as principais forças da oposição, incluindo a Irmandade Muçulmana. Os movimentos dos últimos dois dias foram elogiados pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que disse ver ;progressos; entre a oposição e o governo.
;Obviamente, o Egito tem que negociar um caminho. E acho que eles estão progredindo;, disse Obama, depois de discursar na Câmara do Comércio americana. Na noite anterior, ele disse, em entrevista ao canal Fox News, estar ;confiante; que, se o Egito tiver um processo de transição ordenada, o país terá um governo que continuará parceiro de Washington. Além dos aumentos nos salários e nas aposentadorias, o governo de Mubarak prometeu investigar denúncias de corrupção e fraude generalizada nas últimas eleições parlamentares. O toque de recolher nas três principais cidades do país também foi relaxado em uma hora e, a partir de agora, se estende das 20h às 6h.
Para o brasileiro Luiz Felipe Fritz, 22 anos, que vive no Cairo desde outubro passado, a decisão do regime de Mubarak de aumentar os salários já começou a surtir o efeito desejado entre os egípcios. Ao sair às ruas, depois de passar uma semana entricheirado em casa, Luiz Felipe encontrou uma situação bem mais calma e uma rotina quase normalizada próximo de onde mora, a poucos metros da Praça Tahrir, epicentro do terremoto político que sacode o Egito há duas semanas. ;Parece que o aumento prometido por Mubarak deixou os egípcios mais felizes;, disse o brasileiro ao Correio, por telefone. ;O Exército ainda está nas ruas e os manifestantes também, mas não vi protestos. No centro, a vida voltou ao normal: as lojas e os bancos abriram, o trânsito já está movimentado de novo. Nem parece que teve aquela confusão toda;, acrescentou.
Nos arredores da praça, os manifestantes, contudo, resistiam. Alguns se sentaram em frente a tanques do Exército, temendo que quaisquer movimentos dos militares poderiam ter como objetivo expulsá-los do local. Os partidos de oposição, liderados pela Irmandade Muçulmana, marcaram uma nova manifestação para hoje, destinada a ;manter a pressão; para que Mubarak renuncie.
Grupos de jovens se reuniram para formar uma coalizão, chamada Direção Unificada dos Jovens Revolucionários Revoltados. Em um comunicado, eles exigiram a saída do presidente e disseram que não pretendem desocupar a Praça Tahrir até que isso ocorra. Eles também querem a suspensão imediata do estado de emergência, a dissolução do Parlamento, e uma reforma constitucional.
Cúpula adiada
Pedido dos líderes da Liga Árabe, o governo do Peru anunciou ontem que suspendeu a 3; Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), marcada para a próxima semana, em Lima. Em um comunicado, a chancelaria peruana informou que o adiamento foi solicitado ;ante as atuais circunstâncias que vivem muitos países da região;. Ainda não há uma nova data para o encontro, mas o presidente do Peru, Alan García, sugeriu que a reunião ocorra no fim de março ou de abril, para não coincidir com as eleições no país. O grupo é integrado por 33 países, dos quais 22 são árabes e 11, sul-americanos.
Em nota, a embaixada do Egito no Brasil agradeceu o apoio ;político e moral; dado pelo país às ;aspirações legítimas da população egípcia;. A representação ainda lamenta que, em meio ao caos, os jornalistas Corban Costa, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, tenham sido submetidos, como muitos cidadãos egípcios, ;a inconveniências e violência totalmente inaceitáveis;.
Israel vê ;deslealdade; dos EUA
Publicamente, o governo israelense modera o tom e evita falar do posicionamento dos aliados americanos em relação ao destino do presidente egípcio, Hosni Mubarak. Mas, nos bastidores, o consenso é de que o governo Obama, mais uma vez, colocou a relação com Israel em segundo plano, ao defender uma transição no regime egípcio. Alguns chegam a afirmar que o ;abandono; dos Estados Unidos terá graves consequências para a região.
;Temos a impressão de que Washington estava esperando para expulsar Mubarak;, enquanto os manifestantes começaram a questioná-lo seriamente, disse à agência de notícias France Presse um alto funcionário israelense, que pediu o anonimato. ;Nos últimos dias, os Estados Unidos tomaram uma posição com mais nuance, mas isso não muda o fato de que abandonaram (Mubarak), e isso é o mais preocupante;, acrescentou. Israel não expressa simpatia alguma pela rebelião popular contra o regime egípcio, e destaca o risco de repetir-se uma revolução islâmica como a que tomou o poder no Irã, em 1979.
;Todo mundo começa a perceber que Mubarak deve ir embora. Mas era o caso de esperar que os EUA não abandonassem assim um homem que foi o seu melhor aliado por décadas e era uma barreira contra o islamismo;, escreveu o jornal israelense Yediot Ahronot. ;O que vão pensar seus aliados na região ao ver Washington tratar assim o regime egípcio?;, indagou o jornal. Para Aytan Gilboa, professor de ciências políticas da universidade Bar Ilan, perto de Telavive, os Estados Unidos ;cravaram um punhal nas costas de seu aliado;, quando ;poderiam tê-lo criticado com mais discrição;.
Sua alma, sua palma
Milhares de libaneses foram às ruas de Beirute, convocados pelo partido xiita Hezbollah, para mais uma demonstração de apoio ao levante popular no Egito. Na palma da mão de um dos manifestantes, um recado sem meias-palavras para os governantes do Cairo: ;Abaixo Hosni Mubarak;. O líder máximo do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, exaltou a insurreição dos egípcios como uma ;batalha pela dignidade da nação árabe;. ;Os EUA tentam conter a revolução e melhorar a má imagem que têm no Oriente Médio e no mundo islâmico (...) depois de terem passado anos apoiando as piores ditaduras da região;, declarou Nasrallah, em discurso exibido aos manifestantes pela TV.
Mais poder a Mebazaa
A primeira reunião dos deputados tunisianos desde a saída do presidente Zine El Abidine Ben Ali foi marcada pelo pedido do primeiro-ministro, Mohamed Ghanuchi, para que seja votada uma lei que permita ao presidente interino aprovar leis sem necessidade de avaliação pelo Parlamento. A medida garantiria o distanciamento entre um congresso ainda controlado pelos partidários de Ben Ali e Fued Mebazaa, que assumiu a presidência em 15 de janeiro.
;Esse projeto de lei permitirá ao presidente interino aprovar decretos e leis conforme a Constituição;, afirmou Ghanuchi aos 125 deputados ; de um total de 214 ; que compareceram à sessão no Parlamento. O premiê, no entanto, só apresentará o projeto amanhã, ao discursar para a Câmara Alta. No último domingo, o Ministério do Interior do país anunciou a suspensão das atividades da Assembleia Constitucional Democrática (RCD), o partido do presidente deposto, e afirmou que prevê sua dissolução ; o que vinha sendo pedido pela população desde a queda de Ben Ali.
Na vizinha Argélia, uma manifestação pró-democracia marcada para o próximo sábado já tem causado tensão entre o governo e a população. Os manifestantes disseram que vão manter a programação da marcha na capital, mesmo depois de a wilaya (prefeitura) de Argel negar o pedido de autorização para o protesto da oposição. A prefeitura chegou a sugerir que a manifestação fosse realizada em um local fechado, o complexo olímpico Mohamed Budiaf, com capacidade para 10 mil pessoas. Na última semana, o presidente Abdelaziz Bouteflika afirmou que o estado de emergência, que proíbe esse tipo de ato, será levantado ;em um futuro próximo;.