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Israel teme ascensão islâmica

Ao lidar com a crise política no Egito, o presidente norte-americano, Barack Obama, não tem de se preocupar apenas com o destino do país presidido por Hosni Mubarak. O desenrolar dos fatos interessa especialmente o mais tradicional aliado dos Estados Unidos na região: Israel. A nação judia, que mantém um acordo de paz com o Egito há mais de 30 anos e cultiva uma relação, no mínimo, tolerável com Mubarak, vê com preocupação a possível queda do ditador e o risco de ascensão de um regime islâmico no país vizinho. Durante as últimas semanas, autoridades israelenses se revezaram em declarações que mostraram a apreensão do país cercado de Estados árabes por onde a revolta iniciada na Tunísia pode se espalhar.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi várias vezes a público para afirmar o compromisso que qualquer governo egípcio tem de manter a relação de paz com seu país. Ele também disse temer que se repita no vizinho do Sul uma revolução semelhante à liderada pelo aiatolá Ali Khomeini, no fim da década de 1970, no Irã. ;Nosso medo é de uma situação que possa se desenvolver e que, de fato, já evoluiu em vários países, como no caso do Irã, para regimes repressivos do islamismo radical;, disse o premiê. Israel teme, inclusive, que uma mudança desse tipo no Egito venha ser o estopim para uma onda de levante teocrático na região.

Já o presidente israelense, Shimon Peres, ao discursar para uma delegação do Parlamento Europeu, em Jerusalém, no último sábado, disse que a contribuição de Hosni Mubarak para a paz entre Egito e Israel ;nunca será esquecida;. ;Apesar de todos os ataques contra o presidente Mubarak, considero que, ao evitar a guerra no Oriente Médio, conseguiu salvar a vida de egípcios, árabes e israelitas;, afirmou.

Diante da preocupação do país aliado, Obama tem o desafio de conduzir a crise no Egito de forma a não desagradar totalmente israelenses e egípcios. Ontem, o presidente voltou a afirmar que deseja ver no país uma transição ;ordenada; rumo a um governo ;representativo;. Para especialistas ouvidos pelo Correio, a ação pode trazer problemas tanto externos como internos para o mandatário. ;Uma abrupta repreensão a Mubarak, por parte de Obama, pode projetar uma imagem muito negativa dos EUA entre os outros líderes árabes. E, se os EUA perderem o apoio do Egito, Obama também com certeza vai perder as próximas eleições;, afirma o israelense Ely Karmon, do Instituto para Política e Estratégia do Centro Interdisciplinar (IDC) em Herzliya.

O cientista político William Allen, da Universidade Estadual de Michigan, concorda que o cenário seria desfavorável a Obama se ele endurecesse muito o discurso contra Mubarack. ;Jimmy Carter pagou um alto preço quando deixou de responder adequadamente à revolução iraniana de 1979. Com ela, os EUA não só perderam influência no Irã, mas também expuseram a incapacidade de o país reagir positivamente a uma agressão escandalosa, resultando na derrota de Carter para Ronald Reagan;, compara, referindo-se à inabilidade de Carter de libertar os 52 americanos que ficaram presos por 444 dias na embaixada dos EUA em Teerã.

Preocupação justificável
Para Allen, Israel tem razão de se preocupar com um possível espiral de ascensão islâmica. ;Se essa mudança ocorrer no Egito, ela pode ser seguida na Síria, no Líbano e na Jordânia;, opina. Ele observa que a Síria já é uma ameaça a Israel, com quem não mantém relações diplomáticas há décadas. O Líbano, onde o grupo radical xiita Hezbollah pode assumir o poder após a saída do primeiro-ministro Saad Hariri, seria a grande ;porta de entrada; do inimigo Teerã. A Jordânia, apesar de não preocupar tanto Israel, também corre o risco de se tornar uma rota perigosa num eventual levante islâmico.

Patrick Basham, do Instituto Cato, acredita ser ;improvável; que um governo ;moderado; assuma o poder no Egito com a saída de Mubarak. ;O ;novo Egito; pode se parecer mais com a Turquia do que com o Irã: uma nação mais moderada e menos anti-Ocidente. Mas a má notícia é que isso é muito pouco provável;, afirma. Para ele, se a Irmandade Muçulmana assumir ou mesmo tiver grande participação no poder, o processo de paz entre israelenses e palestinos também está fadado ao fracasso.

O escritor israelense Yitzhak Laor, no entanto, rebate a ideia de que a ebulição política nos países árabes deve ser temida pelos judeus. ;Nossas ideias sobre o mundo árabe estão cegas para o sofrimento dessas nações;, afirmou em artigo no jornal Haaretz. ;Ninguém sabe aonde essa revolução (no Egito) vai levar, mas é preciso lembrar uma coisa: isso não gira em torno de nós.;


Diálogo prejudicado


Qualquer que seja o destino político do Egito, ele pode afetar consideravelmente o já estagnado processo de paz entre israelenses e palestinos. O temor foi explicitado, inclusive, pelo Quarteto para o Oriente Médio, formado pelas Nações Unidas, a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia. Durante o último encontro do grupo, no sábado passado, em Munique, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, destacou o papel ;estratégico; que o presidente egípcio, Hosni Mubarak, teve no processo de paz e se disse preocupado com os efeitos de uma transição problemática no Egito para a estabilidade na região.

;Mubarak foi um dos atores-chaves na tentativa de facilitar a reconciliação. E é por isso que estamos preocupados. Queremos que essa transição ocorra de uma forma ordeira e pacífica, sem impactos negativos na paz e estabilidade na região;, afirmou Ban. Mas o Quarteto também acredita que é preciso ocorrer o processo inverso: uma aceleração no processo de paz que ajude a região a se estabilizar. ;Tendo em vista os acontecimentos no Oriente Médio, o Quarteto expressou sua convicção de que qualquer atraso adicional na retomada das negociações seria prejudicial para as perspectivas de paz na região;, afirmou o grupo, em um comunicado.

O Egito teve, nos últimos anos, um papel fundamental na tentativa de unificar o lado palestino para as negociações com Israel. Em 2009, o governo de Mubarak promoveu um acordo de reconciliação interpalestino, que foi assinado pelo Fatah, mas não pelo Hamas ; apesar de o grupo radical responsável pela Faixa de Gaza ter se comprometido a assiná-lo. Israel teme que a ascensão ao poder no Egito da Irmandade Muçulmana, que tem estreitas ligações com o Hamas, fortaleça o grupo. (IF)


Fórum Social Mundial


; O Fórum Social Mundial (FSM), reunião anual dos partidários antiglobalização, abriu ontem, em Dacar, tendo como cenário os movimentos de contestação no mundo árabe, particularmente no Egito e na Tunísia, mas também no próprio Senegal, o país que o recebe. A inauguração oficial da 10; edição do FSM foi marcada por uma passeata de 10 mil pessoas pelas ruas da capital senegalesa. O ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva deverá participar do evento.